Olá, amigos e amigas. Desculpem-me a ausência de textos no portal, outros compromissos foram passando na frente, e então me dei conta que já faziam cinco meses desde o último. Aliás, agradeço a repercussão positiva que este alcançou. Ao trabalho! Imagine-se torcedor de um time da série A, mas com passaporte quase carimbado à segunda divisão faltando, digamos, 15 rodadas para o fim do Brasileirão. Destas, 8 serão em casa, no estádio onde você possui afetuosas memórias de infância. A diretoria toma decisões questionáveis, o técnico parece perdido, e o elenco não enche os olhos de ninguém. Você é apaixonado pelo seu time*, mas não um fanático. Ou seja, frequenta o estádio de vez em quando, compra uma camisa ou chaveiro, mas coloca outras pautas em prioridade na sua escala de atenção e preocupação. O próximo jogo é em casa, contra um adversário direto na zona de rebaixamento, e os ingressos estão com preços promocionais. Um amigo lhe convida a irem assistir à partida, você se anima. Porém olha a previsão do tempo: chuva com trovoada. As arquibancadas são descobertas. As ruas que dão acesso ao estádio são estreitas, engarrafamentos são constantes, não há estacionamento, ônibus só a 2km de distância. Sem contar as filas do sujo banheiro e da lanchonete – que cobra 30 reais por um sanduíche frio e uma cerveja sem álcool. Você e seu amigo desistem de ir ao jogo, assim como outros tantos torcedores, e, o futebol sofrível será testemunhado por apenas uns 3 mil corajosos – a capacidade do estádio é de 35 mil. Vamos a outro cenário. Sua nacionalidade é norte-americana, seu time preferido é de basebol. Novamente, você é um apaixonado, não fanático. A equipe não chega sequer aos playoffs a 40 anos, o elenco é carente de estrelas e, na atual temporada, as perspectivas são desanimadoras: 18 derrotas em 30 jogos. Mas a última vez que as arquibancadas do estádio local não estiveram lotadas em todas as partidas foi em 1998. Você é um dos responsáveis, pois assistiu in loco a 83% dos jogos em casa este ano. Se o time vai mal, a lógica é o público se esvair das arenas, conforme visto no cenário brasileiro fictício do texto, bem como no real, por exemplo, com somente 3.614 pagantes assistindo ao melancólico 0 X 0 entre Vitória X Grêmio pela 37ª rodada do Brasileirão, que selou a queda dos baianos. Os dirigentes do futebol brasileiro parecem acostumados a tal situação, e, a receita já é conhecida por todos: time em má fase, ingresso quase de graça. É como se a própria diretoria assinasse um atestado de incompetência e reconhecesse a falta de qualidade do elenco, pois julga que 5 ou 10 reais é o suficiente para ver aqueles 11 patetas. E o valor também seria, na ótica deles, adequado aos apertos do estádio – chuva, brigas, trânsito, jogo às 22h. Do mesmo modo, o torcedor é, para os cartolas, um chimpanzé amestrado cujo único fator decisivo sobre ir ou não ao estádio seria o preço. Mas, então, o cenário norte-americano é uma mentira? É impossível ter um estádio lotado com o time a duras penas? Não, muito pelo contrário. Basta compreender que o local da prática esportiva, seja um estádio, ginásio ou arena, não se comporta somente como tal. Isto é, deve ser encarado como um espaço de entretenimento, no qual o jogo é apenas uma das atrações. O torcedor considera todas as experiências vividas no estádio, não somente o embate entre seu time e o rival. Se o time vai mal mas lhe são oferecidas cadeiras confortáveis, cobertura, shows musicais, alimentação de qualidade, transporte público na porta, fan experience, atrações infantis, a probabilidade de retorno é maior do que se o time viver época vitoriosa, mas a ida ao local do jogo for desastrosa, com brigas, intimidação policial, tumulto nas catracas etc. Por conta disso, o cenário do torcedor de basebol norte-americano cujo time vai de mal a pior pode soar estranho ao brasileiro, mas é algo bastante corriqueiro nas ligas de lá. Ir a uma partida da MLB, NBA ou NFL é um programa da família, que toma o dia todo, quando não o final de semana. Uma cena comum é ver grupos fazendo churrasco e bebendo no estacionamento dos estádios nos EUA (tailgate), compartilhando emoções e experiências com desconhecidos.
Os dirigentes esportivos de lá entendem que o estádio ou a arena são uma fonte de sociabilidade, que ativam lembranças positivas, afeto, bem como o amor que o torcedor sente pelo time. Todos esses fatores são benéficos ao consumo, e tendem a fazer com que o espectador retorne ao local. Isto é, falta aos cartolas brasileiros a percepção de que o estádio é uma importante fonte de receitas, com enorme potencial a ser explorado pelo time e pelos patrocinadores. Desta maneira, é preciso pensar o ambiente da prática esportiva como uma engrenagem capaz de satisfazer o torcedor desde o momento em que compra o ingresso online, até a volta para casa. Acordos com prefeituras a fim de se melhorar as vias de acesso e as linhas de transporte, por exemplo, são algo além do esporte, mas, em uma perspectiva macro, ajudam a experiência do público a ser positiva. Fidelizar o torcedor não é só cobrar preço de banana quando o time precisa ganhar. *Para saber mais sobre classificações de torcedores, procure por artigos científicos com o tema Fan Typology ou Fan Category. Era uma vez uma seleção pentacampeã do mundo, com jogadores protagonistas no futebol mundial, um técnico vencedor – em decadência, mas vencedor – e um dito “quadrado mágico”. Este era o cenário do Brasil na Copa de 2006, na Alemanha. Para algumas rasas análises da imprensa esportiva, o hexa era questão de tempo. Para a mídia de maneira geral, também. E a torcida comprou o discurso.
Tanto é que, puxe na memória, você que tem mais de 20 anos, os treinos preparatórios ao Mundial mais pareciam a plateia do show do Justin Bieber ou da Lady Gaga. Havia um acerto contratual, acredite se quiser, que todos os treinos teriam presença de torcida – com ingressos pagos. Todos. A comissão técnica tentou reclamar, mas cedeu, afinal, quem poderia parar o “quadrado mágico”? Se na época existisse o Encontro com Fátima Bernardes, certamente a moça que invadiu o gramado para abraçar Ronaldinho Gaúcho seria entrevistada. Talvez até ganhasse um papel em algum reality show de quinta categoria – perdão pela redundância. Aí veio o jogo, o futebol – quem se lembrava dele? – e o resultado todos já conhecem. Thierry Henry, a meia do Roberto Carlos, e o hexa ficaria para 2010. O Brasil teria quatro anos para cicatrizar as feridas, encontrar substitutos para a envelhecida geração do penta, e renovar o comando técnico. Quatro anos se passaram, e era chegada a hora da Copa do Mundo. Se em 2006 havia uma exposição exagerada, em 2010 o então comandante Dunga mudou o trato com a imprensa. Porém mais uma vez esta foi decisiva no fracasso da seleção. Um desentendimento de campo entre Daniel Alves e Julio Baptista noticiado como briga, e uma discussão do técnico com o jornalista Alex Escobar, motivada pela proibição à participação dos atletas no Fantástico, desgastaram o já enfraquecido time. Novo fracasso, desta vez na África do Sul. Nesse meio tempo, surgiu um novo Messias: Neymar. O atacante nasceu para o futebol no Santos em 2009, e logo já se tornou um popstar. Qualidade em campo ele mostrava possuir bastante, mas para a mídia interessava mais seu novo corte de cabelo, sua namorada, suas baladas, do que discutir como a seleção poderia encaixá-lo no esquema tático, ou a contribuição daquele Santos para alterar o panorama internacional do futebol brasileiro. Em 2011 o Santos de Neymar foi campeão da Libertadores e se credenciou a disputar o Mundial de Clubes. Desenhada a decisão contra o Barcelona, a mídia não soube, novamente, reconhecer a inferioridade do futebol brasileiro. Houve quem afirmasse que o Santos venceria, com Neymar em atuação épica. O Barcelona deixou a todos boquiabertos com o baile dentro de campo. 4 X 0, com um Santos sem padrão algum. Em sua entrevista pós-jogo, o então técnico do time espanhol Pep Guardiola foi tratado como ilusionista pelos jornalistas brasileiros, como se acabasse de inventar um novo esporte. Sua resposta foi categórica: só estavam fazendo o que o Brasil ensinara ao mundo em 70 e 82. Isto é, jogando futebol com esquema tático, jogadores cumprindo seu papel em campo, preparação física adequada. Foi um tapa na cara de todo um país. Tanto é que quase a integralidade da mídia clamou na época para a contratação do próprio Guardiola como substituto de Dunga, esperando por um D. Sebastião que nunca partira, mas traria consigo o que lhe fora ensinado por aqueles que o queriam como professor. É confuso mesmo. Veio 2014 e o Mundial da FIFA estava em casa. Não com Guardiola, mas com o comandante do penta – uma prova da gestão preguiçosa e acomodada, que, na incompetência de mudar o curso das ações, estacionou na zona de conforto e optou por alguém já alinhado ao discurso e ao modus operandi. E, assim como em 2006, a mídia transformou a seleção brasileira em produto do showbiz. O auge foi quando o apresentador Luciano Huck pousou com seu helicóptero no gramado da Granja Comary, interrompendo um treinamento. Debord sorriria, se fosse vivo. Não houve o menor respeito pelo trabalho dos profissionais que ali estavam se preparando para jogar uma Copa do Mundo. Só se pensou na audiência, nos patrocinadores, no espetáculo. O marketing não deve se sobressair em relação à prática esportiva em hipótese alguma. Resultado: vexame histórico, inapagável, com emocional mais fraco que a linha de marcação. E a mídia tem sua parcela de culpa nos 7 X 1, sim. Alguns papéis da imprensa são questionar, provocar, promover debates e opiniões divergentes, cobrar. Não se achar a dona do produto, e moldá-lo a seu próprio sabor, nem tentar fabricar heróis e exigir deles um desempenho irretocável, como vem fazendo com Neymar este ano. O atacante do PSG não está em suas melhores condições físicas, nem vem apresentando um bom futebol na Copa do Mundo até aqui, e seu comportamento pode ser questionado. Mas quando se busca o noticiário sobre o Brasil no Mundial, o nome dele é dominante. E, logicamente, boa parte do tempo é utilizado para se discutir seu novo visual. Ou para levar sua mãe e a de outros jogadores em um tour pela Rússia. Justiça seja feita aos profissionais da imprensa esportiva que, de fato, debatem sobre o assunto, por mais óbvia que tal afirmação possa parecer. Estes sabem criticar quando é preciso, elogiar idem, respeitando a soberania do jogo. O futebol é, antes de tudo, um esporte, não um tapa-buraco na grade de programação. Não há nenhum mal em um atleta ser entrevistado por um programa de variedades, ou estrelar uma campanha publicitária. Ao contrário, são ações do marketing esportivo, ora, saudáveis para estreitar laços com o grande público e evidenciar seu nome, o da seleção, ou do clube na mídia. Mas que não atrapalhe os treinos e jogos. Que Tite e seus 23 convocados saibam tirar proveito de ambas as situações para, enfim, conquistarem o hexa. A paixão de um indivíduo por um time de futebol normalmente é despertada logo na infância, quando o garoto ou garota já conquista certa autonomia e capacidade de compreensão do mundo a seu redor. E não raro os filhos seguem os pais, isto é, passam a torcer pela mesma equipe de seus familiares – primeiras referências de comportamento. Assim, o time começa a fazer parte da identidade daquela criança.
Porém a influência parental é apenas um dos fatores que auxiliam na formação de um torcedor. A identificação do indivíduo com o time é formada por uma série de aspectos, que contribuem para aumentá-la ou diminuí-la ao longo do tempo. Ou seja, é possível mensurar se eu sou “mais torcedor” que meu vizinho, mesmo ambos seguindo o mesmo time com afinco. Um destes fatores que influenciam no grau de identificação do torcedor com o time é o desempenho dos atletas dentro de campo, bem como sua postura fora dele (Wann, Koch, Knoth, Fox, Aljubaily & Lantz, 2006¹). Os torcedores, inclusive, adotam os jogadores como modelo de comportamento e se sentem próximos a eles acompanhando notícias e comprando camisas com o nome do ídolo, por exemplo. Deste modo, quanto mais sucesso o atleta conquista com o time, maiores as possibilidades de contribuir para aumentar a identificação do torcedor e, consequentemente, se tornar exemplo de conduta para este. Zinedine Zidane é um destes atores em relação ao Real Madrid. Multicampeão como jogador, iniciou sua carreira de treinador na equipe B do time para aprender a ser um técnico, e não já com protagonismo, em uma equipe de ponta, como fazem muitos ex-jogadores. Mas Zizou é destes personagens que parecem intocáveis, e nem mesmo a cabeçada que desferiu no italiano Materazzi na final da Copa do Mundo de 2006 – Materazzi teria ofendido sua irmã – abalou seu prestígio no mundo do futebol, muito menos com os torcedores merengues. O francês de ascendência argelina teve passagem discreta no banco da equipe B, sendo, inclusive, suspenso por não apresentar as credenciais necessárias para dirigir um time espanhol (posteriormente foi absolvido pelos tribunais do país). Um profissional comum, sem história no clube, provavelmente seria demitido. Porém a relação de Zidane com o Real Madrid está longe de ser comum. Mesmo sem muito sucesso no time B, o antigo camisa 5 do Madrid foi alçado ao posto de treinador do elenco principal em janeiro de 2016. A diretoria se valeu do tamanho de Zidane no clube para tentar esfriar os ânimos da torcida, devido aos maus resultados apresentados por seu antecessor, o espanhol Rafa Benítez. E a estratégia funcionou. O astro goza de elevado prestígio com o clube, seus dirigentes e torcedores. O prestígio, no escopo do marketing esportivo, tem o poder de transferir qualidades positivas do objeto admirado à identidade pessoal do torcedor (Carlson, Donovan & Cumiskey, 2009²). Ao mesmo tempo, o prestígio dado aos ídolos eleva o nível de ligação psicológica do torcedor com o time, pois a imagem do atleta é associada a memórias positivas envolvendo o clube (Carlson & Donovan, 2013³). Cabe a afirmação, portanto, que Zinedine Zidane é um fator de contribuição da identificação de torcedores com o Real Madrid, uma vez que, dado o êxito que o craque obteve como jogador e treinador deste time, a probabilidade de fazerem associações positivas entre ambos é alta. Portanto, ao deixar o comando do clube logo após conquistar a terceira UEFA Champions League seguida, Zidane marcou mais um golaço. Sua imagem não poderia estar em maior grau de positividade perante a torcida e, para não correr o risco de fracassos em campo mancharem-na, dada a perenidade do futebol, Zidane tirou os holofotes de si e ficou com a figura do tricampeonato, somada à que já possuía como atleta. É um exemplo a esta fogueira de vaidades que é o futebol, e motivo de orgulho aos torcedores do Real Madrid. Que todos sejam como Zinedine. ¹Wann, D., Koch, K., Knoth, T., & Fox, D. (2006). The impact of team identification on biased predictions of player performance. The Psychological Record, 56(1), 55. ²Carlson, B. D., Donavan, D. T., & Cumiskey, K. J. (2009). Consumer-brand relationships in sport: brand personality and identification. International Journal of Retail & Distribution Management, 37(4), 370-384. ³Carlson, B. D., & Donavan, D. T. (2013). Human brands in sport: Athlete brand personality and identification. Journal of Sport Management, 27(3), 193-206. |
Pedro CoratMestre em Gestão do Esporte e Especialista em Comunicação Empresarial HistóricoCategorias |