O Mundial de Futebol masculino acabou, discussões de todos os tipos passaram pelo e após o evento, mas tem um assunto que, especialmente no futebol (vou tentar justificar em instantes...), sempre vem à tona... A questão estratégica...
Sempre gosto de falar sobre esse assunto, mas a motivação para esse texto em específico surgiu após a leitura de um texto divulgado após a primeira rodada da Copa do Mundo: “Como basquete e handebol explicam a abundância de bola parada e o sofrimento dos grandes na Copa”. No texto, o autor sugere que as tendências estratégicas defensivas do handebol e ofensivas no basquetebol podem ser utilizadas para entendermos as opções estratégicas das equipes na primeira rodada do Mundial de futebol. O que mais me chama a atenção, no entanto, é um certo grau de surpresa na evidência de que a estratégia faz diferença... Pois bem, por que considero importante falar sobre estratégia? “Nem sempre é preciso ter os melhores jogadores para vencer, e sim a melhor estratégia”, disse Jurgen Klopp, como citado no texto acima. Muito simples. Num jogo de futebol, como em qualquer outra modalidade e coletiva, tendo em visita seu contexto aberto, complexo e imprevisível, a questão estratégica é fundamental. Isso, fundamento. É a base que sustenta um bom desempenho. Em um jogo entre duas equipes que ignoram esse fato, outras coisas são cruciais. Mas num jogo em que uma equipe quer vencer, é preciso planejar como isso vai acontecer. Tecer como jogadores e equipe vão construir seu caminho e lidar com as (muitas) adversidades que vão surgir. Estratégia pode ser entendida como um processo de caráter prospectivo que define os contornos da atuação tática do jogador. É um sistema de planos de ação de curto, médio ou longo prazo que visa atingir determinados objetivos (fazer um gol nos primeiros 20 min de jogo; permanecer entre as 4 primeiras equipes do campeonato; ser a equipe com mais jogadores a participar de uma Copa do Mundo, para exemplificar em diferentes escalas). Por que acho que isso salta aos olhos especialmente no futebol? Querendo ou não é a modalidade mais vista, mais comentada e mais cheia de entendedores (e corneteiros) do assunto. Muitos dos entendedores estão com o poder da fala e da escrita nas mãos, na mídia, e influenciam a forma como milhares de pessoas enxergam e entendem o futebol. Muitas vezes a questão estratégica é negligenciada ou subvalorizada. A discussão muitas vezes fica na superficialidade técnica. Quantas vezes ouvimos a saudosa lembrança do futebol brasileiro de outrora, de grande maestria técnica, como a solução para as mazelas de desempenho do futebol atual? Enquanto lamentamos, veja um exemplo do que está rolando por aí: https://rondos.futbol/2018/06/fluidez-posicional-y-el-futbol-del-futuro-una-primera-reflexion/ E por que acho esse assunto preocupante? Minha preocupação sempre recai sobre a formação. Como jogadores e jogadoras podem pensar, atuar, compreender a lógica do jogo, de forma estratégica? Como devem ser planejados os treinos – em curto, médio e longo prazo – para que cada vez mais os atletas saibam compreender o jogo e criar a partir das escolhas estratégicas de sua equipe? Por que muitos jogadores estranham um treino que do começo ao fim é conectado de intenções estratégico-táticas, onde correr ao redor do campo para aquecer não faz o menor sentido? Por que o Neymar não entende de "tática"? A formação de jogadores e jogadoras inteligentes passa por um processo que explore a criatividade, as tomadas de decisão, a variabilidade motora, a resolução de problemas. A linguagem no treino deve ser a linguagem estratégico-tática. Ao longo da formação esportiva, professores e professoras devem conhecer a "matéria", para ter condições de criar um ambiente no qual as crianças e adolescentes construirão sua compreensão do jogo. Quando atletas profissionais, seu treinador e treinadora devem ser conhecedores da modalidade na sua mais profunda especificidade, nos detalhes, nas nuances. Devem estudar constantemente e estar atentos às mudanças geradas pela evolução do jogo e pelas imposições adversárias. Se vocês notaram, usei o termo tático junto ao termo estratégia, tendo em vista a sua íntima relação e interdependência. Para finalizar, deixo aqui uma proposta: Pense nos treinadores e treinadoras da(s) modalidade(s) esportiva(s) que acompanha. É possível perceber que eles estudam, que eles entendem profundamente o jogo? Taí a deixa para um próximo texto. Até lá! Agradeço ao meu amigo Diogo Castro, grande estrategista, por compartilhar dois dos artigos que compõem este texto. Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/rush-futebol-grass-jogar-1335365/ Escrever sobre pedagogia do esporte em uma plataforma sobre gestão esportiva faz sentido?
Aproximar essas duas áreas será um dos meus objetivos ao escrever por aqui. Agradeço a oportunidade e espero contribuir com o diálogo. Vou começar, neste primeiro texto, discutindo um pouco sobre qual esporte pretendo falar. Tratarei daqui do esporte sem sobrenome ou apelidos. Não será do Esporte Social da Silva ou do Esporte Educacional de Souza. Muito menos do Esporte Competitivo Oliveira ou do Esporte Rendimento Rodrigues. Ainda que entenda que a definição sobre as manifestações de esporte presentes na Lei Pelé¹ tenha contribuído para a diversificação das possibilidades de relação com o esporte e direcionamento de políticas, insisto em tratá-lo no singular. Esporte. Não tem plural, apesar de ser plural. Mais ainda, acredito que as tentativas de atribuir a ele os diferentes “sobrenomes”, fizeram prevalecer, ao longo da história, um caráter utilitário ao esporte, enfraquecendo-o como um fim em si mesmo. Vou exemplificar: o Esporte é um direito garantido na constituição federal brasileira (e de outros países). Ao estado cabe fomentar as práticas esportivas, formais e não formais. Um estudo do Observatório Latino-Americano de Inovação Pública Local² identificou 1.050 ações voltadas ao esporte em alguns países da América Latina. No Brasil, foram 731. Apenas uma pequena parte destas ações foi classificada como política pública de esporte, ou seja, que tem o esporte como objetivo principal. No Brasil, 27% das experiências entram nesse grupo. A maior parte das políticas não se refere ao esporte em primeiro lugar. Na verdade, tem o esporte como “pano de fundo”, como ferramenta para alcançar outros objetivos, tais como educação, saúde e inclusão social. Utilizar o esporte como ferramenta é um problema? Não. Até porque, de fato, é um instrumento poderoso pela sua complexidade e capacidade de mobilizar e envolver as pessoas. Mas, vale a pena perguntar: a prática esportiva enquanto meio, garante o direito ao esporte? O que me parece um problema é não destinar a atenção para aquilo que o esporte tem de genuíno, para o seu valor em si mesmo. É não entender o acesso ao desenvolvimento esportivo (que inclui formação esportiva, cultura esportiva) como o direito e, portanto, não destinar as políticas públicas para tal. Imagine o esporte como ferramenta em um projeto de inclusão de jovens de baixa renda. Se o objetivo é promover a inclusão, facilmente podemos trocar a ferramenta, por música ou tecnologia, por exemplo. Se o objetivo é promover a formação esportiva, o esporte deve estar no centro. E, possivelmente, vai gerar inclusão. É, portanto, desse esporte que debateremos aqui. Fenômeno de grande expressividade, que com trato pedagógico e gestão adequada, é condição para o desenvolvimento pleno do ser humano. Patrimônio cujo acesso é direito de todos e deve ser garantido. Não por diminuir os índices de obesidade ou sedentarismo. Não por ser útil. Mas, como diz Bento³, por entender que “sem desporto, o envolvimento cultural dos homens empobrece, torna-se descarnado e ressequido de emoções e paixões.”. Afinal, é o inútil que dá beleza a vida. ¹A lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 prevê atualmente as seguintes manifestações do esporte: desporto educacional, desporto de participação, desporto de rendimento e desporto de formação. ²SANTOS, Marinella Burgos Pimentel dos ; SANTOS, Fernando Burgos Pimentel dos ; LEMOS, Roberta Freitas . Deportes y Políticas Públicas Locales en América Latina. In: SALINAS, Javier; OCHSENIUS, Carlos. (Org.). Innovación Local en América Latina: Un recorrido por diversas experiencias latinoamericanas, estudios e investigaciones. Santiago: Observatorio Latinoamericano de la Innovación Pública Local, 2010, v. , p. 340-370 ³Trecho retirado do texto Formação e Desporto, de Jorge Olímpio Bento, extraído do livro: TANI, G.; BENTO, J. O.; PETERSEN, R. D. S. (Eds.) Pedagogia do Desporto. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2006. |
Thatiana FreireMestre em Estudos do Esporte e Especialista em Pedagogia do Esporte HistóricoCategorias |