GestaoDesportiva.com.br Entrevistas Iniciamos as entrevistas do Gestão Desportiva com o treinador de futebol português, Ricardo Monsanto, que é licenciado UEFA PRO pela Federação Portuguesa de Futebol e já atuou como treinador e gestor em clubes como Estoril e Samora Correia de Portugal, Athlone Town da Irlanda, entre outros.
Qual o conceito de modelo de jogo na sua perspectiva? Na minha perspectiva, modelo de jogo não é mais que a tua ideia para o jogo da tua equipa tendo em conta as características dos teus jogadores. O teu modelo de jogo deve potenciar ao máximo aquilo que os teus jogadores podem fazer em campo. Por exemplo, se tens um centroavante com 1,90 metro de altura, jogadores na alas muito rápidos, no meio campo jogadores que gostam de jogar em posse de bola, centrais rápidos e tecnicamente evoluídos, tu vais construir um certo modelo de jogo que se adapta as características desses jogadores. No entanto, se tu tens antes avançados de 1,70, magros e rápidos, um meio campo com jogadores com características para transições rápidas e centrais bons cabeceadores mas lentos, vais construir um modelo de jogo completamente diferente. O que os dois modelos de jogo têm de semelhante é que ambos servem para ganhar o jogo, mas com as características dos teus jogadores, aí a tua leitura tática do jogo vai fazer a diferença, porque tu sabes exatamente qual o caminho que queres percorrer e onde pretendes chegar. Nada no jogo acontece por acaso! Como ele pode ser implantado no clube? Quem é o responsável pela sua aplicação? Pode ser implementado no clube desde que a diretoria e o treinador estejam em consonância com aquilo que é o projeto desportivo do clube. A partir desta base de confiança fica mais fácil para todos, desde a escolha dos jogadores até à forma como pretendes que sejam selecionados e treinados os jogadores das camadas de base, para que correspondam aos princípios definidos por toda a estrutura técnica. O responsável máximo pela sua aplicação é sempre o treinador, ele detém o conhecimento científico que precisa para a sua implementação e a diretoria vai retirar o lucro dos seus ativos, os jogadores de futebol, num curto e médio prazo. Quais as principais diferenças de um modelo de jogo de uma equipe semiprofissional para uma equipe profissional? Tem diferenças significativas? Em que parte? As principais diferenças são que um clube profissional dá todas as condições aos seus treinadores e jogadores para só pensarem no jogo, tudo o que se passa fora do campo deve ser irrelevante e estar vinte e quatro horas por dia a pensar na ideia de jogo da sua equipa, concentra-o para a sua tarefa. No futebol semiprofissional o treinador tem tantas preocupações com os seus jogadores, que nada têm a ver com o treino da sua equipa, que muitas vezes o essencial acaba para ficar para segundo plano, o jogador sente essa diferença e se tiver a sua vida pessoal bem resolvida fora de campo, consegue entregar-se ao objetivo comum de uma equipa de futebol, com uma dinâmica que jamais conseguiria existindo minhocas na sua cabeça. Essas são as diferenças mais significativas, depois como é óbvio, existe o número de treinos, estágios pré-jogo, controlo alimentar e etc., que são variantes muito mais controláveis num clima profissional que semiprofissional. O modelo de jogo sofre evoluções? Quais poderão ser elas? Claro que sim, consoante a decorrer da época, os objetivos que estão a ser ou não concretizados, os ajustes que se podem ou não fazer no plantel, se a determinada altura se vende 2 a 3 jogadores influentes da equipa, se conseguimos contratar exatamente aquilo que pretendemos ou não, muitas vezes nem é o fato de se ter ou não muito dinheiro, é saber escolher, limar as arestas, ultrapassar as limitações e mesmo com pouco dinheiro, mas uma organização planeada de fundo, se fazem grandes trabalhos e os jogadores entram e saem do teu modelo de jogo e tu evolui na estruturação dessa ideia de jogo, consoante aquilo que tens em mãos e a tua capacidade de retirar o máximo em cada momento. Qual a vantagem da implementação de um modelo de jogo no clube? Quem ganha com ele? E porquê? Quem mais ganha com a implementação de determinado modelo de jogo num clube é o próprio clube. Em primeiro lugar porque vai potenciar os seus ativos, os seus jogadores vão ser mais visíveis e mais apreciados, certos jogadores que até parecia que não funcionaram noutros clubes, chegam à tua equipa e rendem, têm desempenhos completamente acima da média e porquê? Porque desde o primeiro momento, a primeira vez em que o observaste, que na tua ideia de jogo pensaste onde é que este jogador entra, naquilo que lhe vais potenciar e como vais transformar aquele jogador numa ideia que tens concebida para ele e para o teu próprio modelo de jogo. Por inerência o jogador ganha também, porque bons desempenhos significam boas transferências para o clube, mas também bons contratos para o jogador, essa mensagem vai passar automaticamente para todos os jogadores do plantel. Quais as dicas que daria aos treinadores de futebol brasileiros em atividade? Daquilo que posso observar do futebol brasileiro, embora veja que o estilo varia bastante de estado para estado, pois no Rio joga-se um tipo de futebol, em São Paulo outro, Porto Alegre também tem o seu próprio estilo e o Nordeste outro completamente diferente, onde julgo que o treinador brasileiro pode evoluir bastante é a nível da periodização táctica. Nota-se claramente que não existe uma periodização táctica nas equipas do Brasil, muitos dos componentes são trabalhados isoladamente e conseguir conjugar a técnica, táctica com o físico e psicológico dos jogadores para uma ideia de jogo comum é aquilo que falta. O Brasil é uma mina a nível de matéria prima para se jogar futebol, tem diamantes em cada esquina, jogadores com uma relação com a bola tremenda e depois vê-se que o seu treino nunca foi de forma alguma periodizado para qualquer ideia de jogo e só quando chegam à Europa conseguem ter o rendimento máximo das suas capacidades, porque vão pela primeira vez viver uma realidade que lhes permite viver o jogo como um todo. Periodização Táctica, para mim esse é o principal conselho que posso dar! Atualmente se fala em periodização tática como uma forma mais moderna de planejar a preparação de uma equipe, em comparação a forma tradicional de periodização desenvolvida no leste europeu, principalmente pelos russos. Basicamente, como você planeja a periodização das suas equipes? A grande diferença da periodização desenvolvida no leste europeu para a periodização táctica desenvolvida nos países do sul da Europa é que toda essa periodização desenvolvida em especial nos países da ex-União Soviética, Checoslováquia e Iugoslávia eram viradas essencialmente para os desportos individuais, focada especialmente num individuo especificamente e para os picos de forma que esse indivíduo consegue atingir durante uma época desportiva, situações que facilmente se adaptam ao atletismo, natação ou mesmo ginástica. No entanto acontece que surge a periodização táctica nos países do sul da Europa, vem dessa transposição para o coletivo, para um momento de forma constante e focada numa ideia de jogo coletivo que leva a que a preparação para o jogo, seja realizada com jogo, concentrado na velocidade de percepção do jogo, na ideia de jogo que é passada a todo o grupo e com exercícios com vários tipos de jogos que preparam para a realidade do jogo e situações que acontecem na realidade própria do jogo. Os defensores da periodização tradicional criticam que a periodização tática não desenvolve ao máximo as capacidades físicas dos jogadores, que só treinamentos em forma de jogo não gera ganhos de performance como treinamentos específicos de preparação física. Também costumam dizer que a periodização tática dá certo apenas com jogadores adultos, já formados, mas que não consegue desenvolver ao máximo os jogadores adolescentes que ainda buscam chegar ao alto nível. Como você analisa estas críticas? Em relação aos defensores da periodização tradicional, apenas posso dizer que se quiserem continuar a treinar como se fossem treinos de atletismo, ninguém os pode impedir, se ganharem jogos vão ser considerados bons treinadores na mesma, se perderem jogos vão ser questionados, porque o futebol é isto. Eu prefiro treinar bem para jogar bem, mesmo sabendo que depois existem sempre três resultados possíveis e não existem receitas garantidas, pelo contrário, o caos do próprio jogo faz com que o futebol seja sempre uma incerteza. Quanto aqueles que dizem que a periodização táctica só funciona com adultos, dar o exemplo do Cristiano Ronaldo que simplesmente é o melhor jogador do mundo em atividade, quando subiu a sênior era um menino franzino e magrinho, teve todo o seu crescimento baseado na relação com a bola e em treinar o jogo jogando-o, já sênior começou a encorpar e hoje tem a compleição física que todos lhe conhecem. A verdade, é que se tivessem musculado o Cristiano com 14 ou 15 anos, jamais ele seria o jogador que é hoje, dificilmente teria a agilidade, relação com bola e competências específicas do jogo que tem. No entanto, vejo a situação completamente ao contrário da sua pergunta, até aos 17 a 18 anos os jogadores devem jogar, jogar, jogar. Como seniores devem continuar a jogar e a ter o seu treino periodizado taticamente, sendo que o treinador só se deve preocupar com a sua ideia de jogo e em transmitir essa ideia o melhor possível aos jogadores, para que dentro das suas competências a executem da melhor forma. Agora nessa altura sim, existem recuperadores físicos, que fora do treino se vão preocupar com o equilíbrio muscular do atleta, se os músculos antagonistas estão tão desenvolvidos como aqueles que são mais solicitados no terreno de jogo, equilibrar o corpo do atleta, evitar lesões e garantir o saudável desempenho dos atletas. Agora no treino, da periodização tática eu não abdico! Normalmente não escutamos os principais treinadores do futebol internacional dizendo que utilizam a periodização tática, como por exemplo, Pep Guardiola, Jurgen Klopp, Jupp Heynckes, Zinedine Zidane, Carlo Ancelotti, entre outros. Como você vê que a periodização tática está sendo utilizada pelos demais países e treinadores ou ainda é algo bastante restrito aos treinadores portugueses? Podem dizer ou não, podem chamar-lhe os nomes que quiserem, mas o Pep Guardiola usa periodização tática desde sempre, do seu início em Barcelona, aliás, toda a Academia de formação do Barcelona se baseia no princípio da periodização tática, desde a formação das camadas de base, tal como acontece com a Academia do Sporting, Benfica ou Porto em Portugal e muitas outras em Espanha. Jupp Heynkes apanhou o início da periodização táctica na sua passagem pela Península Ibérica e ainda hoje todo o seu trabalho é à volta dela. Zinedine Zidane, 3 anos de treinador, 3 anos de periodização táctica. Carlo Ancelotti e Jurgen Klopp não falo porque desconheço ao detalhe o tipo de trabalho semanal. Entrevista elaborada por Josué Santos e Luiz Antonio Ramos. Fonte: GestaoDesportiva.com.br
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