Mesmo com a Lei Pelé prevendo a responsabilidade solidária do presidente de clube por dividas de sua gestão, a Justiça do Trabalho tem apontado a necessidade de comprovação da gestão temerária para fins de responsabilizar a pessoa do dirigente esportivo. O tema é polêmico!
A Lei Pelé (9615/98) trouxe inovações no seu texto a partir do ano de 2011, com alterações importantes, como a inclusão do dirigente esportivo respondendo solidariamente pelos atos ilícitos ou de gestão temerária praticados por ele no curso do seu mandato. Diz o artigo 27, § 11: “Os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, nos termos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (Redação dada pela Lei no 12.395, de 2011)”. Especificamente no futebol, a Lei Pelé implica o dirigente de clube ao especificar no artigo 24, que seus bens particulares podem ser alcançados em razão da gestão temerária. Art. 24. Os dirigentes das entidades desportivas profissionais de futebol, independentemente da forma jurídica adotada, têm seus bens particulares sujeitos ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. § 2o Os dirigentes de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados e pelos atos de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto. Nesse contexto, inúmeras ações trabalhistas promovidas contra clubes esportivos em geral têm provocado essa discussão, essencialmente que diz respeito à conduta do dirigente esportivo responsável pelos desmandos havidos no clube que dirige. E mesmo com todo o amparo legal a Justiça do Trabalho tem analisado caso a caso a incidência da responsabilidade solidária do dirigente esportivo, sendo necessária a comprovação que o dirigente tenha agido com desvio de finalidade ou praticado confusão patrimonial no mandato, provocando prejuízos financeiros ao clube no qual é mandatário. Esse é o entendimento do doutrinador Álvaro Melo Filho, que busca diferenciar a conduta do dirigente quando se tratar de clube empresa em relação a aquele de associação esportiva. Vejamos: “associado não é o mesmo que sócio, dado que associado não possui responsabilidade solidária alguma, pois não se encontra em nenhum contrato social e não integraliza capital. Nessa perspectiva, é injusto e esdrúxulo que os associados fiquem sujeitos a uma pena de responsabilização pelas dívidas ou passivo social, quando não participam do capital social e nem auferem lucros. À evidência, estes associados limitam-se a contribuir, com taxas mensais, para usufruir de certos serviços e produtos oferecidos pela associação desportiva, colocando-se numa posição bem distinta e inconfundível com o sócio da sociedade empresária ou com o acionista da sociedade anônima que tem animus lucrandi, o que impõe preservar os associados da injurídica e indecorosa responsabilização”¹. O fato da associação não alçar lucro ganha patamar ao se analisar uma possível responsabilidade do dirigente esportivo, porém, é preciso ressaltar que o próprio tem ciência das suas obrigações e deveres quando chamado para a tarefa de presidir um clube de futebol. Nesse contexto, se o presidente de clube pratica gestão altamente temerária, como exemplo clássico: contratando atletas com altos salários mesmo ciente que a receita do clube não é suficiente para cobrir tal despesa, obviamente que o dirigente será responsabilizado pelos seus atos, com a aplicação da responsabilidade solidária e risco de uso de seu patrimônio pessoal para pagamento das dividas contraídas pelo clube. É que traduz decisão recente da Justiça do Trabalho, datada em 05/09/2017, onde não restou caracterizado que o dirigente do clube praticou gestão temerária em face de um atleta que buscou indenização trabalhista. Vejamos: “A 1ª Câmara do TRT-15 julgou parcialmente procedente o pedido do segundo reclamado, presidente de um clube de futebol, e excluiu a sua responsabilidade solidária ao pagamento das verbas a um jogador do clube, tornando a ação improcedente com relação ao dirigente. [...] O acórdão afirmou que "não há qualquer elemento que permita a conclusão quanto à existência de culpa do segundo reclamado no exercício de suas funções a possibilitar a sua responsabilização na forma pretendida" e portanto, "a prova dos autos não enseja a responsabilização solidária do segundo demandado ao pagamento das verbas objeto da condenação", uma vez que não ficou comprovado que ele tenha aplicado créditos ou bens sociais em favor próprio ou de terceiros, ou que tenha violado o dever de lealdade inerente a um administrador íntegro e idôneo, ou ter agido com desvio de finalidade, cometido ato ilícito ou praticado gestão temerária, sendo de rigor destacar que "o não pagamento de verbas trabalhistas não caracteriza quaisquer dos atos mencionados". E assim, por falta de respaldo legal, "não há como sustentar a imputação da responsabilidade solidária em face do segundo reclamado", concluiu o colegiado. (Processo 0001399-92.2013.5.15.0090)”². Fato é que os clubes precisam de gestão desportiva com profissionais capazes de coordenar os gastos de acordo com a receita alcançada, sob pena de acumular dívidas trabalhistas e outras em geral, com o consequente risco de seus dirigentes terem o patrimônio pessoal alcançado por tais dividas. ¹MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé, Avanços e Impactos. Maquinária Editora, 1a Edição, 2011, p. 88 ²http://www.csjt.jus.br/noticias-dos-trts/-/asset_publisher/q2Wd/content/excluida-a-responsabilidade-de-dirigente-de-clube-de-futebol-no-pagamento-de-divida-trabalhista?
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Seguindo as regras implementadas pela FIFA (Fédération Internationale de Football Association), posteriormente ratificadas pela CONMEBOL (Confederación Sudamercana de Fútbol), no início do mês de fevereiro de 2017 a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) divulgou o seu Regulamento de Licença de Clubes, com validade prevista a partir deste ano corrente para as equipes que disputam a Série “A” do Campeonato Brasileiro, vindo em meados do mês de setembro de 2017 a divulgar o seu Manual do Licenciamento, Temporada 2018, do qual constaram conceitos, prazos e critérios técnicos.
Olhando para o cenário que se desenha e considerando o nível de exigência acerca da gestão dos clubes de futebol no Brasil, surge a importância de abordagem dos principais elementos que integram as regras para o licenciamento de clubes da CBF e a aplicação por parte das entidades de administração e prática desportiva. Nos termos do artigo 1º, § 5º do aludido regulamento, as medidas nele previstas vigoram a partir da temporada 2018 para as equipes da Série “A”, temporada 2019 para os clubes da Série “B”, temporada 2020 para as entidades de prática desportiva da Série “C” e a partir da temporada 2021 para as agremiações da Série “D”, sendo renovadas ano a ano. Antes de abordar outros elementos do regulamento é pertinente trazer aqui o conteúdo do seu artigo 14, que se refere à Licença, conceituando-a como: (...) certificado expedido pela CBF ao Clube Requerente, confirmando o cumprimento dos Critérios a ele aplicáveis, ou o seu compromisso firme de cumprimento mediante a celebração de termo de compromisso específico, permitindo-o, assim, participar da respectiva competição na temporada indicada no certificado, a depender do mérito técnico-desportivo. Os requerimentos devem ser realizados dentro dos prazos estipulados pela CBF, sendo a Licença expedida de forma personalíssima e intransferível, assim como terá vencimento ao fim de cada temporada para a qual foi concedida. Pontuado o conceito de Licença trazido pelo regulamento da CBF, cabe a abordagem acerca dos objetivos gerais e de longo prazo desta regra, conforme prevê o artigo 2º, que serão tratados a seguir dentre aqueles mais importantes e ligados à adoção de medidas de Governança Corporativa. Esses objetivos são elencados em nove incisos e serão relacionados resumidamente a seguir: I – credibilidade e integridade das competições; II – preservar valores do esporte e os princípios do fair play; III – padrões de qualidade na gestão profissional dos clubes, incentivo de melhores práticas de governança, controladoria e redução de riscos; IV – transparência na administração; V – investimento permanente em infraestrutura esportiva dos clubes; VI – fomento das categorias de base, desenvolvimento profissional e pessoal dos atletas e demais profissionais do esporte; VII – adequação dos atos constitutivos e societários aos regulamentos da FIFA, CONMEBOL e CBF, além do ordenamento jurídico nacional, atribuindo transparência sobre propriedade e controle; VIII – equilíbrio financeiro e capacidade econômica dos clubes; IX – transparência, abrangência e credibilidade das informações financeiras divulgadas pelos clubes. Além dos objetivos para a implementação do Regulamento de Licenças é importante trazer a questão dos critérios exigidos para a sua concessão, conforme o artigo 4º da norma, sendo divididos em cinco modalidades de critérios, a seguir: I – Critérios Desportivos; II – Critérios Administrativos e de Capital Humano; III – Critérios de Infraestrutura; IV – Critérios Jurídicos; V – Critérios Financeiros. O Regulamento de Licença de Clubes apresenta ao final o Anexo I, onde está prevista a discriminação das cinco modalidades de critérios para a obtenção da Licença, os quais serão relacionados na sequência: I – Critérios desportivos: a) desenvolvimento das categorias de base; b) equipes de categorias de base; c) coordenador de desenvolvimento das categorias de base; d) treinadores das categorias de base; e) certificado de clubes formador; f) diretor de futebol; g) treinador da equipe principal; h) preparadores físicos; i) médico; j) arquivo médico e exames preventivos; k) equipe principal feminina; l) equipe de categoria de base feminina; m) treinador da equipe feminina. II – Critérios de infraestrutura: a) estádio adequado e certificado; b) disponibilidade do estádio; c) instalações específicas para treinamento. III – Critérios de administração e capital humano: a) organograma; b) secretaria do clube; c) registros online; d) diretor geral ou equivalente; e) diretor financeiro ou equivalente; f) diretor administrativo ou equivalente; g) diretor de comunicação ou equivalente; h) diretor de marketing ou equivalente; i) ouvidor ou equivalente; j) oficial de segurança ou equivalente. IV – Critérios jurídicos: a) estatutos e atos societários; b) requerimento para obtenção da Licença; c) declaração relativa à propriedade e controle; d) regularidade; e) contratos com jogadores profissionais. V – Critérios financeiros: a) demonstrações financeiras completas, anuais e auditadas; b) balancetes; c) orçamento anual. Conforme se observa do teor do presente item a CBF visa com a implementação do Regulamento de Licença de Clubes, mediante um processo gradativo e de longo prazo, que as entidades de prática desportiva venham a adotar boas práticas de governança no sentido de aumentar a credibilidade, desenvolver os seus negócios e, consequentemente atrair investimentos no segmento do futebol brasileiro, medidas que se associam com os princípios de Governança Corporativa. A eficácia? Esperamos que seja alcançada no longo prazo. Texto original publicado em 05/04/2018 em sportacademybr.blogspot.com Imagem extraída de: www.remo100porcento.com |
Contabilidade e Direito Desportivo
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Julho 2023
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