Era uma vez uma seleção pentacampeã do mundo, com jogadores protagonistas no futebol mundial, um técnico vencedor – em decadência, mas vencedor – e um dito “quadrado mágico”. Este era o cenário do Brasil na Copa de 2006, na Alemanha. Para algumas rasas análises da imprensa esportiva, o hexa era questão de tempo. Para a mídia de maneira geral, também. E a torcida comprou o discurso.
Tanto é que, puxe na memória, você que tem mais de 20 anos, os treinos preparatórios ao Mundial mais pareciam a plateia do show do Justin Bieber ou da Lady Gaga. Havia um acerto contratual, acredite se quiser, que todos os treinos teriam presença de torcida – com ingressos pagos. Todos. A comissão técnica tentou reclamar, mas cedeu, afinal, quem poderia parar o “quadrado mágico”? Se na época existisse o Encontro com Fátima Bernardes, certamente a moça que invadiu o gramado para abraçar Ronaldinho Gaúcho seria entrevistada. Talvez até ganhasse um papel em algum reality show de quinta categoria – perdão pela redundância. Aí veio o jogo, o futebol – quem se lembrava dele? – e o resultado todos já conhecem. Thierry Henry, a meia do Roberto Carlos, e o hexa ficaria para 2010. O Brasil teria quatro anos para cicatrizar as feridas, encontrar substitutos para a envelhecida geração do penta, e renovar o comando técnico. Quatro anos se passaram, e era chegada a hora da Copa do Mundo. Se em 2006 havia uma exposição exagerada, em 2010 o então comandante Dunga mudou o trato com a imprensa. Porém mais uma vez esta foi decisiva no fracasso da seleção. Um desentendimento de campo entre Daniel Alves e Julio Baptista noticiado como briga, e uma discussão do técnico com o jornalista Alex Escobar, motivada pela proibição à participação dos atletas no Fantástico, desgastaram o já enfraquecido time. Novo fracasso, desta vez na África do Sul. Nesse meio tempo, surgiu um novo Messias: Neymar. O atacante nasceu para o futebol no Santos em 2009, e logo já se tornou um popstar. Qualidade em campo ele mostrava possuir bastante, mas para a mídia interessava mais seu novo corte de cabelo, sua namorada, suas baladas, do que discutir como a seleção poderia encaixá-lo no esquema tático, ou a contribuição daquele Santos para alterar o panorama internacional do futebol brasileiro. Em 2011 o Santos de Neymar foi campeão da Libertadores e se credenciou a disputar o Mundial de Clubes. Desenhada a decisão contra o Barcelona, a mídia não soube, novamente, reconhecer a inferioridade do futebol brasileiro. Houve quem afirmasse que o Santos venceria, com Neymar em atuação épica. O Barcelona deixou a todos boquiabertos com o baile dentro de campo. 4 X 0, com um Santos sem padrão algum. Em sua entrevista pós-jogo, o então técnico do time espanhol Pep Guardiola foi tratado como ilusionista pelos jornalistas brasileiros, como se acabasse de inventar um novo esporte. Sua resposta foi categórica: só estavam fazendo o que o Brasil ensinara ao mundo em 70 e 82. Isto é, jogando futebol com esquema tático, jogadores cumprindo seu papel em campo, preparação física adequada. Foi um tapa na cara de todo um país. Tanto é que quase a integralidade da mídia clamou na época para a contratação do próprio Guardiola como substituto de Dunga, esperando por um D. Sebastião que nunca partira, mas traria consigo o que lhe fora ensinado por aqueles que o queriam como professor. É confuso mesmo. Veio 2014 e o Mundial da FIFA estava em casa. Não com Guardiola, mas com o comandante do penta – uma prova da gestão preguiçosa e acomodada, que, na incompetência de mudar o curso das ações, estacionou na zona de conforto e optou por alguém já alinhado ao discurso e ao modus operandi. E, assim como em 2006, a mídia transformou a seleção brasileira em produto do showbiz. O auge foi quando o apresentador Luciano Huck pousou com seu helicóptero no gramado da Granja Comary, interrompendo um treinamento. Debord sorriria, se fosse vivo. Não houve o menor respeito pelo trabalho dos profissionais que ali estavam se preparando para jogar uma Copa do Mundo. Só se pensou na audiência, nos patrocinadores, no espetáculo. O marketing não deve se sobressair em relação à prática esportiva em hipótese alguma. Resultado: vexame histórico, inapagável, com emocional mais fraco que a linha de marcação. E a mídia tem sua parcela de culpa nos 7 X 1, sim. Alguns papéis da imprensa são questionar, provocar, promover debates e opiniões divergentes, cobrar. Não se achar a dona do produto, e moldá-lo a seu próprio sabor, nem tentar fabricar heróis e exigir deles um desempenho irretocável, como vem fazendo com Neymar este ano. O atacante do PSG não está em suas melhores condições físicas, nem vem apresentando um bom futebol na Copa do Mundo até aqui, e seu comportamento pode ser questionado. Mas quando se busca o noticiário sobre o Brasil no Mundial, o nome dele é dominante. E, logicamente, boa parte do tempo é utilizado para se discutir seu novo visual. Ou para levar sua mãe e a de outros jogadores em um tour pela Rússia. Justiça seja feita aos profissionais da imprensa esportiva que, de fato, debatem sobre o assunto, por mais óbvia que tal afirmação possa parecer. Estes sabem criticar quando é preciso, elogiar idem, respeitando a soberania do jogo. O futebol é, antes de tudo, um esporte, não um tapa-buraco na grade de programação. Não há nenhum mal em um atleta ser entrevistado por um programa de variedades, ou estrelar uma campanha publicitária. Ao contrário, são ações do marketing esportivo, ora, saudáveis para estreitar laços com o grande público e evidenciar seu nome, o da seleção, ou do clube na mídia. Mas que não atrapalhe os treinos e jogos. Que Tite e seus 23 convocados saibam tirar proveito de ambas as situações para, enfim, conquistarem o hexa.
0 Comments
Leave a Reply. |
Comunicação e Marketing
Área reservada para a discussão de temas sobre estratégias e ações de comunicação e marketing das entidades desportivas em geral
Histórico
Setembro 2022
Categorias |