Escrever sobre pedagogia do esporte em uma plataforma sobre gestão esportiva faz sentido?
Aproximar essas duas áreas será um dos meus objetivos ao escrever por aqui. Agradeço a oportunidade e espero contribuir com o diálogo. Vou começar, neste primeiro texto, discutindo um pouco sobre qual esporte pretendo falar. Tratarei daqui do esporte sem sobrenome ou apelidos. Não será do Esporte Social da Silva ou do Esporte Educacional de Souza. Muito menos do Esporte Competitivo Oliveira ou do Esporte Rendimento Rodrigues. Ainda que entenda que a definição sobre as manifestações de esporte presentes na Lei Pelé¹ tenha contribuído para a diversificação das possibilidades de relação com o esporte e direcionamento de políticas, insisto em tratá-lo no singular. Esporte. Não tem plural, apesar de ser plural. Mais ainda, acredito que as tentativas de atribuir a ele os diferentes “sobrenomes”, fizeram prevalecer, ao longo da história, um caráter utilitário ao esporte, enfraquecendo-o como um fim em si mesmo. Vou exemplificar: o Esporte é um direito garantido na constituição federal brasileira (e de outros países). Ao estado cabe fomentar as práticas esportivas, formais e não formais. Um estudo do Observatório Latino-Americano de Inovação Pública Local² identificou 1.050 ações voltadas ao esporte em alguns países da América Latina. No Brasil, foram 731. Apenas uma pequena parte destas ações foi classificada como política pública de esporte, ou seja, que tem o esporte como objetivo principal. No Brasil, 27% das experiências entram nesse grupo. A maior parte das políticas não se refere ao esporte em primeiro lugar. Na verdade, tem o esporte como “pano de fundo”, como ferramenta para alcançar outros objetivos, tais como educação, saúde e inclusão social. Utilizar o esporte como ferramenta é um problema? Não. Até porque, de fato, é um instrumento poderoso pela sua complexidade e capacidade de mobilizar e envolver as pessoas. Mas, vale a pena perguntar: a prática esportiva enquanto meio, garante o direito ao esporte? O que me parece um problema é não destinar a atenção para aquilo que o esporte tem de genuíno, para o seu valor em si mesmo. É não entender o acesso ao desenvolvimento esportivo (que inclui formação esportiva, cultura esportiva) como o direito e, portanto, não destinar as políticas públicas para tal. Imagine o esporte como ferramenta em um projeto de inclusão de jovens de baixa renda. Se o objetivo é promover a inclusão, facilmente podemos trocar a ferramenta, por música ou tecnologia, por exemplo. Se o objetivo é promover a formação esportiva, o esporte deve estar no centro. E, possivelmente, vai gerar inclusão. É, portanto, desse esporte que debateremos aqui. Fenômeno de grande expressividade, que com trato pedagógico e gestão adequada, é condição para o desenvolvimento pleno do ser humano. Patrimônio cujo acesso é direito de todos e deve ser garantido. Não por diminuir os índices de obesidade ou sedentarismo. Não por ser útil. Mas, como diz Bento³, por entender que “sem desporto, o envolvimento cultural dos homens empobrece, torna-se descarnado e ressequido de emoções e paixões.”. Afinal, é o inútil que dá beleza a vida. ¹A lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 prevê atualmente as seguintes manifestações do esporte: desporto educacional, desporto de participação, desporto de rendimento e desporto de formação. ²SANTOS, Marinella Burgos Pimentel dos ; SANTOS, Fernando Burgos Pimentel dos ; LEMOS, Roberta Freitas . Deportes y Políticas Públicas Locales en América Latina. In: SALINAS, Javier; OCHSENIUS, Carlos. (Org.). Innovación Local en América Latina: Un recorrido por diversas experiencias latinoamericanas, estudios e investigaciones. Santiago: Observatorio Latinoamericano de la Innovación Pública Local, 2010, v. , p. 340-370 ³Trecho retirado do texto Formação e Desporto, de Jorge Olímpio Bento, extraído do livro: TANI, G.; BENTO, J. O.; PETERSEN, R. D. S. (Eds.) Pedagogia do Desporto. Rio de janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
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Formação de Atletas
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Histórico
Novembro 2024
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