A Copa do Mundo da Rússia chegou ao fim, e uma coisa ficou clara: favoritismo não ganha jogo. Já na fase de grupos vimos jogos surpreendentes e feitos improváveis. Uma das surpresas foi a Alemanha, campeã em 2014, sendo eliminada em último lugar no grupo, pior campanha da sua história em copas do mundo.
Mesmo revertendo uma situação complicada com um desempenho impressionante contra a Suécia no segundo jogo, após uma derrota por 1 a 0 para o México na primeira partida, todo o empenho alemão não foi suficiente, e novamente foram derrotados, desta vez pela Coréia do Sul. Apesar disso, a postura apresentada pela seleção da Alemanha – referência no que diz respeito ao trabalho psicológico – no quesito controle e equilíbrio emocional foi exemplar. Também com moral elevada antes da estreia, vimos uma seleção brasileira sofrendo nas mãos – ou pés e cabeça – da Suíça no primeiro jogo. A dependência de um jogador referência que parecia ter o foco dividido entre seu desempenho e a imagem pessoal, com desempenho bem inferior do esperado, individualista; e a culpabilização de fatores externos – leia-se arbitragem – pelo empate, ao invés de elaborar e assumir a responsabilidade pelos erros cometidos, foram determinantes no resultado. A redenção viria contra a Costa Rica. A princípio um jogo que deveria ser favorável se mostrou um grande desafio, persistindo em 0 a 0 até os acréscimos. O que vimos foi insegurança e bastante descontrole emocional por parte de alguns jogadores, agredindo verbalmente árbitro e adversários, entre outras reações explosivas. Após alterações ousadas e muita pressão a seleção brasileira enfim abriu o placar, e ainda chegou ao segundo gol com Neymar, tirando um pouco do peso enorme que vinha carregando. O que vimos após o apito final foi um choro descompensado do camisa 10, reação que pode representar uma catarse e descarga emocional de toda a pressão sofrida. De qualquer forma, algo que mereceria a devida atenção. Já no último jogo da fase de grupos a seleção brasileira parecia estar encontrando o caminho. Com Neymar mais confiante e buscando o jogo coletivo, conseguimos impor um ritmo e garantir o primeiro lugar do grupo. Em suma, vimos um crescimento do time do Brasil ao longo dos três jogos da primeira fase. A apreensão, porém, começou a recair sobre o nosso camisa 9, o centroavante Gabriel Jesus, que não conseguia balançar as redes. A fase de mata-mata traz novos elementos emocionais, e novamente vimos confrontos épicos e o favoritismo cair por terra. Com duas viradas de placar e sete gols no jogo, a França desclassificou a Argentina de Messi por 4 a 3, apesar do gol de Agüero nos acréscimos. E a surpresa das oitavas ficou por conta da eliminação da Espanha pela anfitriã Rússia nos pênaltis. Também nas penalidades, após jogo duríssimo contra a Dinamarca, a Croácia se classificou. A seleção brasileira, apesar de grande atuação do goleiro mexicano Ochoa, garantiu a classificação por 2 a 0 sem grandes problemas. O revés brasileiro veio nas quartas de final. A Bélgica saiu na frente com gol contra de Fernandinho, que estava substituindo Casemiro suspenso. Ainda no primeiro tempo De Bruyne marcou o segundo gol belga. Desde então, até meados do segundo tempo, a seleção brasileira demonstrou dificuldade em lidar com a situação adversa e reencontrar o foco da partida, sem conseguir criar grandes chances, sofrendo com a forte equipe belga. Somente aos 30 minutos do segundo tempo conseguimos tirar o zero do placar, mas sem conseguir manter a intensidade acabamos eliminados. Enquanto isso, demonstrando foco e grande resistência mental, a Croácia elimina a anfitriã, novamente nas penalidades, e avança às semifinais. Vale destacar que na semifinal contra a Inglaterra, mais uma vez a Croácia teve que lidar – e soube fazê-lo muito bem – com uma prorrogação. Foram três prorrogações nos três jogos da fase eliminatória, o que exige um grande esforço não apenas físico, mas também mental. Já na final contra a França, apesar de pressionar bastante nos primeiros 20 minutos e lutar bravamente até o final, o desgaste das três partidas anteriores parece ter pesado, e a excelente seleção francesa conseguiu impor seu jogo e levar seu segundo título mundial. Por parte do Brasil, algumas declarações chamaram a atenção após a eliminação. Por exemplo, ouvimos Neymar dizer que seria difícil voltar a jogar depois disso. O esporte de alto rendimento envolve saber lidar com derrotas, elaborar e extrair os aprendizados necessários para desempenhar melhor nos próximos desafios. Confiança excessiva, talvez, e lidar com as pressões e a frustração, são aspectos que devem ser devidamente trabalhados. Também vimos Gabriel Jesus se queixar – apesar da aparente tranquilidade nas entrevistas durante a competição – da angústia por não marcar gols. É preciso manejar adequadamente a ansiedade para que se consiga manter o foco e atingir o objetivo pretendido. Ainda sobre Neymar, sabemos que simular e valorizar faltas faz parte do esporte. O problema dele talvez seja fazer isso de maneira exagerada. Não a toa virou piada em todo o mundo, o que não vemos acontecer com outros jogadores. Neymar é, sem dúvida, um dos melhores do mundo hoje. Talvez falte maturidade e uma orientação adequada para que se concentre efetivamente no desempenho e possa realmente brilhar e render tudo que é capaz. Somado a isso tudo, o próprio povo e cultura esportiva do Brasil, acostumados com grandes destaques nas mais diversas modalidades – Pelé, Ayrton Senna, entre outros – tem muita dificuldade em lidar com a derrota e reconhecer e valorizar os esforços dos nossos atletas quando estes não estão no topo, o que coloca ainda mais pressão nos esportistas brasileiros. Vimos, por exemplo, muitas críticas e ataques – inclusive de cunhos racistas – direcionados ao Fernandinho após a eliminação. O peso de representar o país já é grande o suficiente para que coloquemos mais lenha na fogueira. Deveríamos, ao invés disso, reconhecer e valorizar o esforço, desde que legítimo, e apoiar nossos atletas para que se sintam amparados. Afinal, perder é parte do esporte. Diferentes falhas emocionais em diferentes momentos e contextos de uma competição do mais alto nível de exigência. Apesar da evidente estagnação do futebol brasileiro, diretorias insistem em fechar as portas para uma ciência que poderia fazer a diferença. Temos uma boa geração de atletas, que ainda podem render bons frutos, desde que o conservadorismo se desfaça e esses atletas recebam o devido apoio. Enquanto banalizarmos e tratarmos a Psicologia do Esporte entre aspas, delegando o suporte emocional a pessoas não capacitadas para tal, outras seleções continuam avançado. Talentos já não garantem vitórias nem títulos. Outros aspectos, infelizmente desvalorizado no nosso futebol, estão fazendo diferença.
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Novembro 2024
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