O texto de hoje é para aprofundar num tema que falei superficialmente, quando expliquei o modelo de formação esportiva dos Estados Unidos. Um comentário de uma leitora fez o alerta: “Olá Luiz, primeiramente quero parabenizar pela série de textos - têm sido muito interessante lê-los! Eu gostaria que você falasse um pouco mais sobre o que foi dito no último parágrafo, quando você cita o aspecto negativo desse modelo - relacionando-o à um nível inferior do futebol dos EUA comparado às equipes sul-americanas” (Andreza Rodrigues). Este foi o trecho do texto em questão que ela citou: “No entanto, há um aspecto negativo no modelo norte-americano. No futebol masculino, em que a concorrência internacional está muito acirrada e difundida em todo o mundo, só formar atletas nas escolas e faculdades tem se mostrado um nível inferior aos clubes sul-americanos e europeus. Por isso a seleção masculina dos EUA ainda não está entre as potências internacionais”. Então, para clarear essa questão, alguns motivos devem ser analisados: 1 – Nível escolar e universitário abaixo do nível de categorias de base de clubes O principal motivo é que nas escolas e universidades, o nível de exigência na formação dos atletas é inferior ao que ocorre em clubes esportivos. Isto ocorre porque o foco das escolas e universidades é a carreira escolar, enquanto nos clubes o foco é a carreira esportiva. Isto reflete diretamente no nível das competições que participam e no nível dos adversários. Atletas que treinam e competem em níveis mais elevados possuem maiores chances de atingirem o alto nível de performance. Isto é chamado “efeito de pares”. 2 – Abrangência da detecção de talentos Categorias de base de clubes de futebol selecionam atletas de outros estados e até de outros países. Quais faculdades fazem uma busca tão ampla? Muitos atletas de futebol até param de estudar precocemente, como é comum ocorrer aqui no Brasil. Novamente, o foco é na carreira esportiva e não escolar. Nesse sentido, quando algum atleta norte americano possui nível para integrar as categorias de base de clubes europeus, pode até mudar de país, para seguir num nível mais elevado de formação esportiva. Pouquíssimos norte-americanos já atuaram nos clubes europeus. Os maiores destaques que me lembro foram o meia atacante Clint Dempsey (Fulham) e os goleiros Tim Howard (Manchester United) e Brad Friedel (Totenham). Aqui tem uma lista com os destaques atuais, mas que ainda são poucos. 3 – Número de clubes de futebol em cada país O número de clubes que possuem categorias de base e futebol profissional possui relação direta com a revelação de jogadores. No Brasil, Argentina e na Europa, os clubes são muito tradicionais, grande parte com mais de 100 anos de existência. Os campeonatos nacionais geralmente possuem entre 3 a 4 divisões, com 20 equipes em média cada divisão. Nos EUA, a Major League Soccer (MLS) foi iniciada em 1996, dois anos após o país ter sido sede da copa do mundo de 1994. Ainda é algo muito recente, com apenas 26 anos de existência. Além disso, a MLS ocorre no formato de liga e franquias, assim como os outros quatro grandes esportes profissionais dos EUA (futebol americano, basquete, hóquei no gelo e beisebol). Nesse formato não há acessos de divisões inferiores e nem rebaixamentos. Isto é, restringe o número de clubes profissionais que participam da principal competição do país. Até existem outras ligas profissionais menores, mas que não conseguem acessar a liga principal. Assim, não há tantos incentivos para que existam clubes profissionais nos EUA e a maioria das cidades possuem apenas o esporte universitário, capaz de entregar bons resultados nos demais esportes nos Jogos Olímpicos, mas não no futebol. Além desses motivos, o nível técnico dos jogos da MLS ainda está abaixo dos principais centros. Geralmente jogadores que estão em fim de carreira na Europa vão atuar nos EUA, como já ocorreu com o Juninho Pernambucano, Zlatan Ibrahimovic, Davi Villa, David Beckham, entre outros. 4 – Número de atletas profissionais de alto nível Outra complicação do futebol é que para formar uma seleção de destaque internacional, não basta ter apenas 5 ou 6 excelentes jogadores e completar a equipe com jogadores medianos. Normalmente são necessários mais que 30 jogadores de alto nível, que são titulares em grandes equipes de futebol, para então selecionar os 23 que vão para a copa. Por exemplo, se olharmos na Seleção Brasileira, quantos jogadores diferentes o Tite convocou entre a copa de 2018 e 2022? Foram 88 atletas, que em sua maioria são titulares de clubes brasileiros ou europeus. Quando é convocado algum atleta que atua em competições de um nível inferior, como na China ou Oriente Médio, já surgem vários questionamentos se este atleta estará no nível desejado. Para as convocações, leva-se em consideração o modelo de jogo que o treinador pretende, o momento da carreira do atleta (se está bem ou mal), além do entrosamento da equipe. Em esportes individuais ou coletivos com poucos atletas (como por exemplo futsal, futebol de areia e vôlei de praia), é um pouco menos complicado montar uma seleção de alto nível, pois com menor número de atletas é possível ter uma seleção de alto nível. Nesta mesma linha de raciocínio, o rúgbi que necessita de 15 atletas titulares torna-se ainda mais complexo, pois requer um número ainda maior de atletas de alto nível. Por isso, são poucos os países que dominam as principais competições de rúgbi. 5 – Nível de concorrência internacional Aqui é uma situação que até mesmo as tradicionais equipes do futebol sofrem em algum momento. Isto é, não basta ter equipes e atletas de alto nível. É comum ficarem várias décadas sem conquistarem títulos importantes. Isto ocorre porque o futebol é amplamente difundido em todo o mundo, principalmente entre países da América do Sul e Europa. Quanto maior o número de concorrentes de alto nível, menores são as chances de uma equipe dominar. Posso citar alguns exemplos:
6 – Ranking FIFA O Estados Unidos é o atual 13º no ranking internacional da FIFA de 2022. Isto é uma posição significativa. Está à frente de países como Croácia (vice campeã da Copa 2018) e do Uruguai (bicampeão lá nos primórdios, em 1930 e 1950). Está logo atrás de Alemanha em 11º e México 12º. No entanto, o ranking FIFA não reflete diretamente o resultado numa copa do mundo. Os países somam pontos de acordo com os jogos mais recentes, com maiores valores quando são competições oficiais, como eliminatórias para a copa e poucos pontos quando jogam amistosos. No caso dos EUA, joga eliminatórias da CONCACAF, com países mais fracos em nível internacional e quando enfrenta seleções europeias e sul-americanas melhores, em amistosos, na maior parte das vezes sofre derrotas. Só para ilustrar essas distorções do ranking, antes da Copa de 2018, a Polônia não fez amistosos, jogou apenas as eliminatórias. Somou muitos pontos e conseguiu ficar entre os oito melhores no ranking mundial. Se tornou cabeça-de-chave na copa, no grupo H, evitando assim ser sorteada em grupos com países mais fortes. Na copa veio a realidade, ficou em último lugar no grupo que tinha Colômbia, Japão e Senegal, com apenas uma vitória. 7 – População e número de praticantes Outro aspecto interessante de ser analisado é o tamanho da população e o número de praticantes, que acaba refletindo na popularidade do futebol. Nesse quesito, Estados Unidos e China estão evoluindo bem, pois o futebol está se tornando cada vez mais popular nos dois países. A China tem investido em muitos programas de intercâmbio para o Brasil e para a Europa. Muitos creem que em algumas décadas, ambos poderão se tornar em potências no futebol. O problema é que na atualidade, os dois países ainda sofrem muito contra os concorrentes locais medianos nas eliminatórias para a copa do mundo. Precisavam dominar as eliminatórias, para sonharem com melhores resultados em copa.
Abaixo sugiro outros textos para ler sobre o assunto. Foram publicados em inglês, mas é possível usar o tradutor da internet para o português:
Quando comecei a escrever, não achei que o texto ficaria tão longo. Espero ter clareado a questão inicial.
2 Comments
Andreza Rodrigues
21/2/2022 15:05:19
Olá Luiz! Agradeço imensamente o retorno sobre a minha questão - melhor ainda que veio através de um texto explicativo, que atendeu as minhas dúvidas iniciais!
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Luiz Antonio Ramos Filho
22/2/2022 16:36:25
Valeu Andreza, agradeço pela leitura e pelos comentários!
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Agosto 2024
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