É constante a troca de treinadores no futebol brasileiro. Já escrevi sobre isto uma vez nesse link. Acho necessário voltar a abordar esse assunto sob uma análise da gestão de recursos humanos. Os clubes brasileiros trocam muito de treinadores, isto não é novidade para ninguém. Só para embasar esta informação, segue uma pesquisa atualizada do CIES (2022). Numa análise de 90 ligas nacionais profissionais de futebol no mundo, o Brasil é o terceiro no ranking dos clubes que mais trocam de treinadores com base na quantidade de dias de permanência no cargo. Estamos atrás apenas da líder Arábia Saudita (com média de 156 dias no cargo), da segunda colocada Bolívia (média de 162 dias no cargo) e no caso do Brasil, terceiro colocado, com média de 163 dias no cargo. Se olharmos a comparação das 14 maiores ligas do mundo na tabela a seguir, o Brasil lidera fácil o ranking negativo. Na Argentina, os técnicos ficam o dobro do que no Brasil e ainda é menos que um ano de permanência no cargo. Por outro lado, entre os que mais permanecem, estão os Estados Unidos, mas principalmente Inglaterra, Alemanha e Espanha, que estão entre as 5 principais ligas do mundo e não sofrem com esta rotatividade de técnicos. Por que se troca tanto de treinador no Brasil? Baixo desempenho da equipe é a maior causa. Desgaste da relação entre a comissão técnica e atletas também pode levar a troca de comando. Eventualmente o treinador recebe proposta para outro clube, as vezes até, de um clube numa situação pior, mas com um salário e projeção melhores, que podem resultar na mudança. Muito bem, vamos focar nas duas primeiras grandes causas, que é quando a diretoria decide pela mudança. O desempenho está abaixo do esperado, mas qual foi o investimento realizado? O clube tem noção sobre o potencial do elenco? Isto não é uma conta exata, mas oferece uma boa noção sobre qual posição na tabela o clube deveria estar. Exemplo, o elenco tem valor de mercado entre os 5 inferiores da competição e espera que o clube esteja entre os 5 melhores, isso não tem lógica. Como saber o valor dos elencos, Transfermarkt é uma boa referência de pesquisa, mas existem outras formas. Será que as críticas da imprensa em relação ao desempenho esportivo são condizentes com a realidade? Exemplo, até pouco tempo atrás, o técnico Renato Gaúcho fazia um bom trabalho no Grêmio e já queriam ele como técnico da Seleção Brasileira, inclusive, interrompendo o trabalho do Tite. O “relativo fracasso” que o Flamengo teve na sequência já fez a mesma imprensa detestar o Renato, pedindo a cabeça dele. Agora, para eles, o Renato não presta mais. Isso tudo em menos de dois anos... não tem lógica. Qual poderá ser a solução para as constantes trocas? O que realmente me motivou a escrever este texto é sobre a consciência necessária que as diretorias de futebol deveriam ter. A maior parte dos clubes brasileiros não possuem um estilo próprio de jogo. Não possuem uma identidade própria. Exemplos:
Outra situação que devemos refletir. Quando um treinador está bem alinhado com o estilo do clube, provavelmente foi um jogador do clube e ídolo da torcida. Daí surgem alguns resultados ruins e a diretoria troca. Não seria mais lógico a diretoria tentar alguns ajustes e correções pontuais com o treinador ao invés de trocar? Para explicar melhor isto, vou dar um exemplo do meio empresarial. Imaginem um diretor executivo de uma grande empresa, os famosos CEOs que tanto são falados na atualidade. Após alguns meses de resultados ruins da empresa, será que o diretor será imediatamente trocado? Ou tem uma análise mais profunda para descobrir porque a empresa está rendendo abaixo do esperado. Nas grandes empresas, o diretor executivo não toma as decisões sozinho. Geralmente ele é amparado pelo Conselho de Gestão, com vários conselheiros com muito conhecimento sobre o que estão aconselhando. Ou seja, são várias cabeças cooperando para acharem as melhores soluções para a empresa. Voltando para o futebol, qual é a real situação do treinador? Ele normalmente é super pressionado por causa dos resultados. Se perder 3 ou 4 jogos seguidos, provavelmente será demitido. Ele normalmente não pede muitos conselhos para os atletas, pois são diretamente interessados nas escalações. Ele também não costuma receber conselhos dos diretores e conselheiros do clube, porque pode parecer que ele está aceitando sugestões só para manter o emprego. Então, ele recebe no máximo conselhos dos assistentes técnicos. No fim disso tudo, o treinador muitas vezes se sente isolado no cargo e sem respaldo da diretoria, sendo que foi esta mesma diretoria que contratou os atletas. O ideal seria que o diretor de futebol fosse corresponsável pelo desempenho da equipe, afinal, foi ele que contratou o elenco e a comissão técnica. Para ilustrar esta situação, vejamos os exemplos que ocorrem na Seleção Brasileira. Nas Copa de 1994, o técnico Carlos Alberto Parreira teve no Coordenador Técnico Mario Jorge Zagallo uma espécie de conselheiro. Na Copa de 1998, Zico foi o conselheiro de Zagallo. Na Copa de 2002, Luiz Felipe Scolari teve Antonio Lopes na mesma função. Na Copa de 2014, Scolari teve Parreira na mesma função. Agora, para 2022, o Tite procura um “conselheiro”, como foi bem explicado nessa reportagem “Um Zagallo para mim: Tite procura assistente para ser seu antagonista na Copa do Mundo; entenda o perfil e a função”. A ideia é justamente ter alguém com muita experiência, mas que pensa diferente, enxerga coisas que o técnico do momento pode não estar atento e assim, melhorar a qualidade do trabalho. Este conselheiro estará ali para ajudar, sugerir soluções diferentes, mas não deverá se impor sobre o técnico. Dessa forma não haverá perda de liderança, nem duplo comando. Se ao invés de mandar o treinador embora, o trabalho fosse no sentido de fazer pequenos ajustes na forma de jogar, na escalação, na contratação de reforços, o trabalho teria uma sequência melhor, com mais lógica. Daí volto a falar sobre o Conselho de Gestão. Se todos tiverem um bom alinhamento de ideias, conselheiros, diretor de futebol, treinador, os ajustes serão mais naturais. O treinador não sentirá mais isolado e terá melhor respaldo da diretoria. Certamente terá melhores resultados do que simplesmente trocar de treinador, como se fosse a troca de um motivador de grupo. Quer saber mais sobre gestão de elenco e de clube, sugiro essas duas entrevistas, que são verdadeiras aulas gratuitas de futebol:
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Conquistar uma vaga na Superliga A de voleibol é uma missão extremamente difícil. Permanecer na competição em sua primeira temporada é ainda mais difícil, em que se destaca o nível de excelência da gestão da equipe Unilife Maringá. Só uma administração neste patamar pode vencer as inúmeras adversidades de uma competição nacional do altíssimo nível. Os custos elevados de inscrição, de manutenção da equipe, viagens e demais despesas operacionais requerem alta qualidade na gestão dos recursos, de forma a manter a equipe competitiva e viável financeiramente. O segundo ponto de destaque é a dificuldade financeira em que o país atravessa. Isto reflete na dificuldade de angariar patrocinadores, pois em tempos de recessão, investimentos em patrocínios geralmente ficam reduzidos. Desta forma, cabe a gestão do clube ampliar as negociações com as empresas patrocinadoras, oferecendo qualidade do projeto esportivo e credibilidade. A credibilidade é demonstrada através de expressivos resultados já alcançados pela equipe na temporada anterior, com a divulgação da marca nas mídias sociais em larga escala, além da cobertura efetiva na imprensa local e nacional. Isto é, a garantia que os valores investidos terão bons resultados de exposição na mídia, reforçando a marca dos patrocinadores perante o público. O terceiro ponto de destaque é o acerto nas contratações de comissão técnica, atletas e membros de apoio, que compreendem a seriedade do projeto e levam este empenho para dentro de quadra, no máximo esforço para a entrega de resultados. Agora, após confirmar a permanência na elite nacional, deve ser realizada uma ampla avaliação da temporada, com as correções necessárias para que o projeto continue em desenvolvimento e atinja resultados ainda mais significativos no cenário esportivo brasileiro.
O fato de que os Estados Unidos são uma potência mundial em diversos esportes é nítido, e que nos últimos anos estão investindo cada vez mais dinheiro e reforços no futebol, também. Porém, o que pouco se sabe, é como o futebol é gerido por aqui. A estrutura americana para o “soccer”, como eles chamam o futebol (football é conhecido somente como o futebol americano), é composta por ligas, e os clubes se franquiam a elas. A principal, a MLS (Major League Soccer), começou a ser pensada quando a Federação de Futebol dos Estados Unidos (US Soccer) se comprometeu a criar uma liga profissional de futebol como uma condição para se tornarem país sede da Copa do Mundo de 1994. Em 1993 a liga é fundada, e em 1996 começa a ser disputada com 10 times. Hoje, com uma média salarial de US$ 325.000/ano e 28 times participantes, a MLS ainda não aparece entre as 10 ligas mais rentáveis do mundo, segundo dados da Sports Unfold. E é esse o objetivo a ser alcançado com tanto investimento sendo feito - juntar a MLS no topo desse ranking, onde vemos em primeiro, segundo e terceiro lugar a NFL (National Football League), a MLB (Major League Baseball) e a NBA (National Basketball Association), respectivamente. Quanto a ser um franqueado, o clube que deseja entrar para a MLS deve pagar um valor mínimo de US$ 200 milhões, além de construir um estádio nos padrões da competição, e apresentar um bom plano de negócios e acionistas. O Charlotte FC, que fará sua temporada inaugural nesse ano, pagou US$ 325 milhões para se franquear, o maior valor até então. A MLS possui também um teto salarial para os atletas, sendo o máximo de US$ 530.000/ano - com exceção dos designated players, que são atletas permitidos pela liga para receberem mais do que esse teto, com o objetivo de trazer jogadores já consagrados para a competição. Por conta de a liga ser organizada no modelo de franquias, com clubes empresa, a competitividade é bem equilibrada, já que todos os clubes possuem as mesmas regulamentações, budgets e incentivos. Particularmente, acho que esse sistema daqui traz certa monotonia para o esporte em si – como não tem acesso e rebaixamento, perde-se um pouco daquela emoção que todo fim de Brasileirão, por exemplo, nos traz. Todavia, devemos lembrar que mais do que essa emoção, os americanos buscam o espetáculo. Além do time de futebol do coração, eles têm o time de beisebol, hóquei, basquete para torcerem. Esse sistema é confortável na visão de muitos, tanto que em 2017, a média de público da MLS era de 21.500 pessoas, comparado com 16.137 torcedores no Brasileirão do mesmo ano. Desde o surgimento da MLS, várias outras ligas foram sendo criadas, estabelecendo uma hierarquia no futebol dos Estados Unidos. A US Soccer reconhece as ligas como profissionais somente até a terceira divisão. A 4ª divisão, por um consenso dos envolvidos no esporte, foi então estabelecida como semiprofissional. Os campeonatos nos Estados Unidos são divididos por conferências/regiões, devido à grande extensão do país. A MLS, por exemplo, é dividida em conferência leste e oeste, e assim que se tem o campeão dessas duas conferências, os mesmos disputam entre si para consagrar o campeão nacional. Como segunda divisão, logo atrás da MLS, temos a USL Championship (United Soccer League). Inaugurada em 2011, hoje conta com 28 clubes nos Estados Unidos e Canadá. Muitas dessas equipes são os times B de clubes da MLS. A média salarial é de US$ 30.000/ano. No seu início, a taxa para se franquear e entrar na liga era de US$ 250.000, e em 2018 esse valor passou dos US$ 7 milhões. Na terceira divisão temos a USL League One e a NISA. A primeira, sendo anunciada em 2017 com o pontapé inicial em 2019, vem com o propósito de entrar em regiões do país que não possuem acesso a um clube profissional local, lançando novos clubes em cidades com população entre 150.000 a 1 milhão de habitantes. Buscam locais que tenham estádios para ser casa dos clubes, e acima de tudo, que tenham negócios locais fortes com interesse de investir e ter um time local. Hoje conta com 11 times, e uma média salarial de US$ 15.000/ano. Já a NISA (National Independent Soccer Association), com sua temporada inaugural em 2019, conta com 10 equipes, e tem planos de criar um sistema de acesso e descenso assim que tiverem 24 equipes, sendo a primeira liga de futebol profissional nos EUA a ter esse sistema. Também com uma média salarial de US$ 15.000/ano, a NISA não cobra taxa de franquia, sendo uma ótima alternativa para ter um clube de futebol profissional nos EUA. Porém, os requerimentos são um investidor no clube, que possua um mínimo de 35% do time e tenha um patrimônio líquido de mais de US$ 10 milhões de dólares - fora o valor do clube e de sua residência pessoal; e também um estádio do clube com capacidade mínima de 1.000 lugares. Fechando a pirâmide americana do futebol, temos na quarta divisão a Nisa Nation, UPSL, USL League Two, NPSL e NSL. Todas são ótimas portas de entrada para ganhar visibilidade e assinar um contrato com um time profissional, ou para conseguir uma bolsa de estudos através do esporte em muitas universidades. A UPSL possui um sistema de acesso e descenso, sendo dividida em premier division - correspondente à primeira divisão; e division I - correspondente à segunda divisão. São mais de 250 equipes em mais de 20 conferências. Mesmo sendo semiprofissional, os jogos são sempre transmitidos por plataformas como a Eleven Sports, tendo assim os atletas a oportunidade de criarem seus materiais de apresentação. A USL League Two é uma a liga de verão, que vai de maio até julho apenas, diferentemente das outras que geralmente têm duas temporadas no ano – primavera (março-julho) e outono (setembro-dezembro). É alvo de muitos clubes que pertencem e são operados por um clube profissional, e que mandam seu time Sub23 para a disputa. Muitos atletas universitários participam aqui também, já que nesse período geralmente estão de férias de verão. As taxas para ingresso nas ligas semiprofissionais ficam em torno de US$ 2.000 – 3.000, mais valores de árbitros, campo, e outros gastos e investimentos necessários durante a temporada. A Nisa Nation, extensão da NISA da terceira divisão, começou a ser disputada ano passado, e é uma associação com várias outras ligas amadoras do país para produzir um campeonato com mais visibilidade, duração e competitividade. Na última temporada foram 10 times divididos em 2 conferências. Funciona como uma porta de entrada para futuros clubes NISA Pro, e por não possuir uma taxa para se franquear, é uma boa opção para os clubes colocaram seus times reserva para jogar, assim como uma opção para os clubes participarem e se prepararem antes de voltar a temporada oficial da liga que participam originalmente – como uma pré-temporada com jogos. Os campeonatos, em sua maioria, são organizados em pontos corridos na temporada regular dentro de cada conferência, e após esses jogos regionais, começam os playoffs (mata-mata), onde vão disputando os campeões de cada conferência entre si para consagrar o campeão nacional. Um modelo muito diferente do que estamos acostumados no Brasil, com seus prós e contras. Aqui muito se preza pelo espetáculo, por isso não importa a época, o esporte, o campeonato, os estádios e arenas estão sempre cheios. Muito ainda está pra acontecer no futebol nos Estados Unidos, e que eles ainda farão da MLS uma das maiores ligas do mundo, é só questão de tempo.
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Abril 2023
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