O futebol feminino vive altos e baixos no Brasil. A Seleção Brasileira costuma conseguir ótimos resultados nas competições internacionais como Jogos Olímpicos, Copa do Mundo e Sul-Americano. No entanto, existe uma grande disparidade em relação as competições nacionais, estrutura dos clubes e condições de trabalho no país. Esta situação não começou agora, já vem se arrastando desde a década de 90 em que os clubes e a CBF não se entendem em como promover o futebol feminino. Estamos falando de um período de aproximadamente 30 anos de insegurança profissional e de falta de planejamento. A principal reclamação das atletas é a falta de interesse e de profissionalismo que existe por parte dos clubes e da CBF. Para tentar impulsionar o futebol feminino, a Conmebol estabeleceu uma norma que a partir de 2019 os clubes que disputam suas competições na categoria masculina, obrigatoriamente deverão ter também equipes adultas femininas. Poucos clubes brasileiros já se adequaram a esta norma. No fim, tudo se resume na falta de dinheiro que não permite a modalidade evoluir. Assim, começamos a clarear o problema para então acharmos as melhores soluções. Várias modalidades esportivas sobrevivem sem dinheiro no Brasil, este não é um problema exclusivo do futebol feminino. Nestes casos, geralmente são os patrocínios de empresas públicas, como a Petrobras, Correios, Caixa Econômica e Banco do Brasil que dão um fôlego para algumas modalidades. Mesmo assim, não há recursos para todos e os investimentos costumam ser inconstantes, assim como “secaram” após os Jogos Rio 2016. Diante deste desanimador panorama, quais são as possibilidades de evolução da modalidade? Primeiro, para um esporte ser considerado “profissional”, deverá ter dinheiro suficiente que movimente a modalidade. Isto quer dizer um círculo de interesses deverá ser fechado para dar as condições necessárias à profissionalização. Neste círculo estão basicamente três etapas:
A primeira parte desta equação é conseguir a estrutura básica da equipe, como local de treinamento, comissão técnica, uniformes e material esportivo. Quem paga essa conta? Para um clube sozinho, pode ficar caro. Em parcerias pode se tornar viável. Por exemplo, uma parceria de um clube de futebol com uma faculdade. Se ainda não há recursos para pagar salários, a faculdade poderá oferecer bolsas de estudos para as atletas. Pelo menos para as mais jovens será interessante, pois além de jogarem, poderão conciliar com uma formação acadêmica. A faculdade também poderá ceder um treinador (professor da faculdade de Educação Física) e estagiários para diversas áreas como preparação física, fisioterapia, psicologia, até mesmo nas áreas de gestão, marketing e assessoria de imprensa. Assim, a equipe começa a ganhar corpo. Parece pouco? Quase todos os esportes nos Estados Unidos funcionam dessa forma e lá tem mais recursos do que aqui. A segunda parte do problema é atrair o público. Existem campeonatos amadores de futebol masculino que possuem públicos maiores do que algumas divisões profissionais. Isto é, "ser profissional" não é garantia de ter público. Clubes de futsal e de vôlei geralmente se instalam em cidades médias ou pequenas, pois assim passam a ser a grande atração da cidade e acabam conseguindo público e patrocinadores sem tantos concorrentes como nas maiores cidades. Nas grandes cidades, atrações como outras modalidades esportivas, shows, shoppings, cinemas e qualquer outra forma de entretenimento também são concorrentes. O tempo de existência das equipes também é algo fundamental, principalmente quando consegue uma conexão com a cidade, ou seja, o público se sente representado pela equipe. Caso contrário, equipes itinerantes que mudam constantemente de sede e com pouco tempo de existência dificilmente conseguem atrair grandes públicos. Seguindo no exemplo citado acima de parceria, o clube poderá fazer uma campanha atraindo os associados e torcedores das demais modalidades já existentes e pelo outro lado, a faculdade poderá fazer campanhas atraindo seus estudantes. Assim, será um início, mas que deverá ter um trabalho de manutenção do interesse do público ao longo do ano, descrito no passo a seguir. O terceiro passo é despertar o interesse da imprensa e dos patrocinadores. Assessoria de comunicação é fundamental para divulgar notícias e aos poucos abrir espaço nos meios mais tradicionais de comunicação. Assim, manterá sempre vivo na memória do público que a equipe existe e que ocorrerão novos jogos. Quando tudo é bem organizado, torna-se atrativo. Já a negociação com patrocinadores também deve ser bem trabalhada. Não é pedir ajuda, como a maioria faz. É uma relação comercial. O patrocinador é um investidor que irá colocar dinheiro em troca de visibilidade de sua marca, de um relacionamento com o público da cidade e também de estar aliado a uma equipe vencedora. Estampar a marca no uniforme é um dos atrativos, mas não o único. Outros atrativos como ter um site oficial ou blog de notícias da equipe, presença nas redes sociais e ativações do patrocinador nos dias de jogos já serão consideráveis para quem quer divulgar uma marca. Tudo depende do valor investido, mas com estas poucas ações a equipe já dará um retorno ao patrocinador. O ideal é que isto tudo esteja num projeto, num documento que realmente demonstre os objetivos da equipe. Outras ações também podem ser realizadas para agregar valor ao trabalho da equipe, como um projeto social com crianças carentes, palestras de esportistas, campanhas de ações sociais, entre outros. Até aqui falamos do desenvolvimento de uma equipe, mas e as demais? Ações isoladas não costumam surtir grande efeito. Ações integradas oferecerão melhores oportunidades e uma sinergia na direção da evolução. A modalidade só irá crescer quando várias equipes estiverem bem estruturadas e trabalhando em conjunto. Na administração existe um termo chamado "coopetição", que é utilizado para definir a relação simultânea de cooperação e competição entre empresas do mesmo ramo. Isto é exatamente como deve funcionar a relação entre equipes da mesma competição. Eles são concorrentes entre eles, quando estão disputando a competição, mas ao mesmo tempo, devem ser parceiros e cooperarem quando estão buscando a melhor organização da competição, mais recursos, atenção da mídia e do público. Nesse momento as rivalidades esportivas devem ser deixadas de lado em benefício mútuo. Poderá começar com um planejamento estratégico que visualize os próximos 5 ou 10 anos, como a criação de uma liga local, campeonatos universitários, regionais, estaduais e assim por diante. Os líderes do futebol feminino precisam se reunir e discutir para onde querem evoluir. Se a CBF não está ajudando muito, descobrir o porquê? Qual organização o futebol feminino já demonstrou ter? Mais organizadas terão melhores argumentos para conseguirem os objetivos, mas primeiro precisam saber para onde ir. No Brasil o futebol feminino deverá evoluir aos poucos e o caminho mais fácil será aliado às universidades.
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Em comparação entre os principais países do futebol internacional, o Brasil lidera o ranking como o país em que há mais trocas de treinadores. Alguns estudos podem ser vistos aqui e aqui. Em números, os clubes brasileiros costumam trocar de treinadores em média a cada 15 jogos (aprox. 3 meses), enquanto na Espanha e Itália a cada 40 jogos (aprox. 8 meses) e na Alemanha a cada 54 jogos (aprox. 1 ano). Geralmente argumentos simplistas são utilizados para justificar as constantes trocas de comando, como a pressão das diretorias dos clubes, da imprensa e da torcida. No entanto, isso tudo também tem nos outros países. Principalmente em clubes que investem valores gigantescos e que devem apresentar resultados. Além disso, nos outros países, como nos Europeus, a presença de atletas estrangeiros vindos de todas as partes do mundo é muito maior que no Brasil, tornando ainda mais difícil a adaptação cultural e esportiva dos jogadores e comissões técnicas. Também se fala muito na baixa qualidade dos treinadores brasileiros. Não acredito. Se isso fosse a verdadeira razão, qual seria a lógica de frequentemente recontratar os mesmos treinadores? Se não servem num momento, porque recontratar depois? Alguns clubes até tentaram treinadores estrangeiros e foram "fritados" com a mesma velocidade que fazem com os brasileiros. Talvez os treinadores mais antigos estejam defasados, mas não pode-se dizer o mesmo dessa geração atual com Carille, Zé Ricardo, Roger, Jair Ventura, Alberto Valentim, Fernando Diniz e etc. Então por que o Brasil é o país que mais troca de treinador? Os clubes brasileiros sofrem um sério problema de gestão. São amadores na hora de planejar os investimentos, de contratar treinadores e jogadores, de planejar o desenvolvimento das categorias de base, de criar as metas e estimar os resultados da temporada. Muitos fazem tudo isso, porém sem critérios claros e objetivos. Por exemplo, existem alguns clubes que possuem mais receita de tv, de patrocínios, de venda de produtos oficiais e de renda do público nos estádios. Então, obviamente, que se possuem mais recursos, é natural que a cobrança seja de sempre estarem entre os líderes do campeonato. A meta possível e realista é que estes clubes no mínimo estejam entre os quatros melhores equipes do Campeonato Brasileiro. Resultado um pouco abaixo disso, como uma 6ª ou 7ª colocação, pode ser tolerável, mas a cobrança deverá ser maior para o ano seguinte. Isto são ajustes que devem ser feitos ao longo de um trabalho. Será que algum destes clubes mantem o treinador para o ano seguinte? Geralmente não. Ocorre a mudança de treinador, de comissão técnica, de jogadores e paga-se uma conta maior de rescisões do que de novas contratações. Assim, gasta-se mais para continuar na mesma situação do que para evoluir. Clubes que mantêm a mesma comissão técnica, terão muito mais qualidade para reavaliarem quais atletas deverão ser mantidos no elenco, quais deverão ser negociados, quais jovens subirão das categorias de base e principalmente quais reforços deverão ser contratados. Se o estilo do treinador não agrada, por ser muito defensivo, ou muito autoritário, ou seja lá qual for a grande crítica, certamente ele foi mal contratado por não o conhecerem antes. Isto é, o verdadeiro culpado é o gestor e não o treinador. Cada clube deverá ter a noção exata dos recursos que possui e das metas que pode atingir. Recursos no amplo sentido da palavra, em relação a todas receitas, investimentos, qualidade do elenco, média de público e etc.. As metas devem ser estabelecidas também conhecendo a realidade dos demais participantes da mesma competição, para que assim possam ser estimadas de forma realista. O clube que possui maiores recursos deverá buscar o título ou no mínimo a classificação para a Libertadores. Já o clube que possui menos recursos, deverá ter como meta razoável e possível de ser alcançada não ser rebaixado e quem sabe, com alguma sorte conseguir classificação para a Sul-americana. Cobrar mais do que isso do treinador é demonstrar não entender do mundo do futebol. Exemplos como o "pequeno" Leicester City FC campeão inglês ou o antigo São Caetano na final do Campeonato Brasileiro são raríssimos. Para os interessados nesse assunto sobre recursos e metas, em 2016 publicamos um estudo que aborda a eficiência produtiva dos clubes de futebol. Por tudo isso, vejo que os clubes contratam treinadores como "motivadores a curto prazo". Se um não serviu, daqui um ou dois meses o clube tenta outro... e assim vai. Se tiver sorte, escapa do rebaixamento. Se tiver muita sorte, pode até beliscar uma Libertadores. Só que assim, de improviso por improviso, o clube apaga incêndios momentâneos e não cria uma identidade própria de jogo, de formação de jogadores. O trabalho fica sempre nivelado por baixo, sem uma sequência e cada ano parece uma montanha russa. Por exemplo, quando determinado clube contratou tal treinador para o início de um campeonato, qual era a expectativa? Que utilizasse jovens jogadores da base ou que contratasse jogadores experientes? Que jogasse um futebol ofensivo e dominante ou um futebol de contra-ataques e muita marcação? Ou não tinham nenhuma previsão como queriam que a equipe jogasse, apenas colocaram um "motivador a curto prazo"? Atenta a este problema, a da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol sugeriu uma norma que restringe o número de trocas de treinadores na mesma temporada. Ainda não avançou, mas pode ser uma medida interessante, desde que não infrinja as leis brasileiras de liberdade e de atuação profissional.
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Abril 2023
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