Em comparação entre os principais países do futebol internacional, o Brasil lidera o ranking como o país em que há mais trocas de treinadores. Alguns estudos podem ser vistos aqui e aqui. Em números, os clubes brasileiros costumam trocar de treinadores em média a cada 15 jogos (aprox. 3 meses), enquanto na Espanha e Itália a cada 40 jogos (aprox. 8 meses) e na Alemanha a cada 54 jogos (aprox. 1 ano). Geralmente argumentos simplistas são utilizados para justificar as constantes trocas de comando, como a pressão das diretorias dos clubes, da imprensa e da torcida. No entanto, isso tudo também tem nos outros países. Principalmente em clubes que investem valores gigantescos e que devem apresentar resultados. Além disso, nos outros países, como nos Europeus, a presença de atletas estrangeiros vindos de todas as partes do mundo é muito maior que no Brasil, tornando ainda mais difícil a adaptação cultural e esportiva dos jogadores e comissões técnicas. Também se fala muito na baixa qualidade dos treinadores brasileiros. Não acredito. Se isso fosse a verdadeira razão, qual seria a lógica de frequentemente recontratar os mesmos treinadores? Se não servem num momento, porque recontratar depois? Alguns clubes até tentaram treinadores estrangeiros e foram "fritados" com a mesma velocidade que fazem com os brasileiros. Talvez os treinadores mais antigos estejam defasados, mas não pode-se dizer o mesmo dessa geração atual com Carille, Zé Ricardo, Roger, Jair Ventura, Alberto Valentim, Fernando Diniz e etc. Então por que o Brasil é o país que mais troca de treinador? Os clubes brasileiros sofrem um sério problema de gestão. São amadores na hora de planejar os investimentos, de contratar treinadores e jogadores, de planejar o desenvolvimento das categorias de base, de criar as metas e estimar os resultados da temporada. Muitos fazem tudo isso, porém sem critérios claros e objetivos. Por exemplo, existem alguns clubes que possuem mais receita de tv, de patrocínios, de venda de produtos oficiais e de renda do público nos estádios. Então, obviamente, que se possuem mais recursos, é natural que a cobrança seja de sempre estarem entre os líderes do campeonato. A meta possível e realista é que estes clubes no mínimo estejam entre os quatros melhores equipes do Campeonato Brasileiro. Resultado um pouco abaixo disso, como uma 6ª ou 7ª colocação, pode ser tolerável, mas a cobrança deverá ser maior para o ano seguinte. Isto são ajustes que devem ser feitos ao longo de um trabalho. Será que algum destes clubes mantem o treinador para o ano seguinte? Geralmente não. Ocorre a mudança de treinador, de comissão técnica, de jogadores e paga-se uma conta maior de rescisões do que de novas contratações. Assim, gasta-se mais para continuar na mesma situação do que para evoluir. Clubes que mantêm a mesma comissão técnica, terão muito mais qualidade para reavaliarem quais atletas deverão ser mantidos no elenco, quais deverão ser negociados, quais jovens subirão das categorias de base e principalmente quais reforços deverão ser contratados. Se o estilo do treinador não agrada, por ser muito defensivo, ou muito autoritário, ou seja lá qual for a grande crítica, certamente ele foi mal contratado por não o conhecerem antes. Isto é, o verdadeiro culpado é o gestor e não o treinador. Cada clube deverá ter a noção exata dos recursos que possui e das metas que pode atingir. Recursos no amplo sentido da palavra, em relação a todas receitas, investimentos, qualidade do elenco, média de público e etc.. As metas devem ser estabelecidas também conhecendo a realidade dos demais participantes da mesma competição, para que assim possam ser estimadas de forma realista. O clube que possui maiores recursos deverá buscar o título ou no mínimo a classificação para a Libertadores. Já o clube que possui menos recursos, deverá ter como meta razoável e possível de ser alcançada não ser rebaixado e quem sabe, com alguma sorte conseguir classificação para a Sul-americana. Cobrar mais do que isso do treinador é demonstrar não entender do mundo do futebol. Exemplos como o "pequeno" Leicester City FC campeão inglês ou o antigo São Caetano na final do Campeonato Brasileiro são raríssimos. Para os interessados nesse assunto sobre recursos e metas, em 2016 publicamos um estudo que aborda a eficiência produtiva dos clubes de futebol. Por tudo isso, vejo que os clubes contratam treinadores como "motivadores a curto prazo". Se um não serviu, daqui um ou dois meses o clube tenta outro... e assim vai. Se tiver sorte, escapa do rebaixamento. Se tiver muita sorte, pode até beliscar uma Libertadores. Só que assim, de improviso por improviso, o clube apaga incêndios momentâneos e não cria uma identidade própria de jogo, de formação de jogadores. O trabalho fica sempre nivelado por baixo, sem uma sequência e cada ano parece uma montanha russa. Por exemplo, quando determinado clube contratou tal treinador para o início de um campeonato, qual era a expectativa? Que utilizasse jovens jogadores da base ou que contratasse jogadores experientes? Que jogasse um futebol ofensivo e dominante ou um futebol de contra-ataques e muita marcação? Ou não tinham nenhuma previsão como queriam que a equipe jogasse, apenas colocaram um "motivador a curto prazo"? Atenta a este problema, a da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol sugeriu uma norma que restringe o número de trocas de treinadores na mesma temporada. Ainda não avançou, mas pode ser uma medida interessante, desde que não infrinja as leis brasileiras de liberdade e de atuação profissional.
2 Comments
Luiz Dias
4/5/2022 11:08:00
"Os clubes brasileiros sofrem um sério problema de gestão."
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Gilson Paulo
5/5/2022 01:26:17
As vezes está na gestão o problema de alguns clubes, as vezes no comando técnico, e as vezes é a capacidade técnica de alguns jogadores. Então, com bons planejamento pode se minimizar esse tipo de problema
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Abril 2023
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