Em artigo anterior, falei sobre a indicação dos “Senhores do Esporte” para nossa sociedade esportiva. Cargos públicos utilizados como moedas de troca por voto, por apoio político de determinado partido, ou mesmo para agradar uma determinada classe. E esses “Senhores” estão espalhados em diversas secretarias municipais, estaduais ou mesmo ministérios. Esses personagens fazem parte de nossa história esportiva desde que o esporte passou a ocupar o interesse de nossa população, ainda no final do século XIX. Politicamente o esporte sempre foi dominado por esses “Senhores”, os quais possuíam relação dependente e direta com seus administradores, aqueles que detinham o poder. E utilizando essa vantagem política, decidiam sobre o rumo do esporte como bem entendiam. Foi assim quando o Esporte foi utilizado como ferramenta para aquilo que diziam ser o “aprimoramento da raça”, foi assim quando utilizaram para aperfeiçoamento de um “corpo produtivo”, ou quando preparava para “possíveis batalhas”. Sem contar todas as ideologias que foram sustentadas por meio do esporte, lembrando uma ainda recente, quando o mesmo foi utilizado como estratégia de política externa, tentando promover ao mundo a imagem de um país emergente e de uma “economia confiável e em pleno crescimento”. Mas ao longo de toda essa história política que nos cercou, foram poucas as vezes que o Esporte foi utilizado como deveria... ou seja, como Esporte! Um fenômeno capaz de promover valores, capaz de auxiliar no processo educacional e capaz de gerar sonhos! Sonhos... como os do garoto “José”! Durante minha graduação, tive a oportunidade de conhecer esse garoto em um projeto de extensão universitária, no qual fui responsável em dar aulas de futebol para crianças de 10 a 14 anos. E aquele garoto sempre me chamava a atenção... “José” teve uma infância difícil. Não teve muito contato com o pai e as poucas vezes que isso ocorreu, provocaram experiências e lembranças extremamente negativas para o garoto, seja em seu corpo, sua mente e em seu coração. Já sua mãe, batalhadora, trabalhava o dia todo e se virava com o pouco que ganhava para tentar sustentar os filhos. E “José” era, com 12 anos, quem cuidava da casa e dos irmãos menores. Em sua rua, via diariamente vários de seus amigos sendo levados a utilizar drogas e cometer pequenos furtos. Como ele mesmo descrevia: “esse é meu mundo sor”. Ou seja, o garoto, em sua curta história de vida até então, já reunia vários fatores favoráveis que o estimulavam a buscar um caminho voltado para a violência ou criminalidade. O ambiente ao seu redor, os abalos físicos e psicológicos em função de sua relação com o pai, a ausência necessária da mãe, o peso de uma responsabilidade precoce... Mas era naquele campo de futebol que “José” se tornava importante. Ali ele se tornava um garoto comum, que brincava, sorria, se divertia com os amigos... e sonhava! Sim... ali ele conseguia sonhar! E seu sonho não era se tornar um jogador de futebol ou um atleta famoso e milionário. “José” sonhava com algo mais importante... Naquela época, participamos de um campeonato municipal. E durante o jogo de estreia, “José” nos confessou o seu sonho: “quero fazer um gol pra poder contar pra minha mãe”. Sim... esse era o sonho dele! Ter gratidão por todo o esforço que ela fazia pelos filhos... Dedicar a ela, aquele que seria um momento especial na vida dele! Valorizar aquela que representava sua família! E então eu lembro de ter falado aos outros alunos: “Ajudem o José a realizar o sonho dele, porque tenho certeza de que ele vai ajuda-los a realizar os seus sonhos também”. E José naquele dia me ensinou algo a mais sobre esse tal fenômeno chamado Esporte. Que nos auxilia a sonhar, a acreditar, a respeitar e valorizar o suor de um trabalho honesto e digno. Fenômeno que pode sim, ajudar a “blindar” e “proteger” uma criança de um ambiente desfavorável que a cerca. Fenômeno que pode auxiliar a construção de valores positivos, independente da bagagem que cada um tenha trazido consigo. Mas infelizmente, histórias como essa nunca foram contadas por esses “Senhores do Esporte”, que jamais tiveram capacidade suficiente pra compreender a dimensão e a relevância do Esporte como ferramenta de promoção de valores e de formação de cidadãos. E muitas vezes nem sequer pisaram em gramados, campos, quadras, tatames, ou mesmo passaram perto de piscinas pra entender o significado que essas instalações podem representar. Infelizmente, histórias como essa, poderão não se multiplicar em larga escala nos próximos anos, devido a um ciclo de investimentos escassos que se aproxima. Investimentos que estiveram disponíveis por vários anos, mas que não serviram nem ao menos para fomentar a prática esportiva em nosso país, nem tampouco pra fazer com que crianças deixassem de pagar uma taxa de inscrição, filiação, ou troca de categoria. Infelizmente, histórias como essa não foram suficientes pra fazer com que alguns gestores de confederações, clubes e entidades esportivas, tivessem a honra e a dignidade de investir, de forma transparente, os milhões de recursos que receberam do Estado durante todos esses anos. E hoje, tais gestores, mostram o tamanho de sua hipocrisia vindo a público lamentar e criticar essa decisão do governo. Infelizmente, histórias como essa talvez não sejam capazes de sensibilizar os membros do Poder Executivo e Legislativo de nosso país, aqueles que deveriam ser os representantes legítimos de uma comunidade, que deveriam lutar para que os nossos direitos fossem garantidos (tal como o artigo 217 de nossa Constituição Federal). E conseguir gerar nesses representantes um sentimento de revolta a ponto de se posicionarem de forma contrária à tal Medida Provisória. Infelizmente, é o Esporte sendo novamente esquecido no “banco de reservas”, porque um outro jogador problemático está chamando mais a atenção nesse momento. E com isso, os outros milhares de “Josés” espalhados por aí, não terão sua história pra contar dentro do Esporte. Mas quem sabe, talvez ainda sejam personagens dessa nova MP, assim que estiverem correndo de policiais em alguma pista, nadando na marginalidade ou jogando nos campos penitenciários de nosso país.
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Abril 2023
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