Sportswashing, o termo que se refere à junção das palavras “esportes + lavagem”, vem ganhando cada vez mais visibilidade. Ele descreve a prática de usar do esporte para mascarar, esconder ações e aspectos negativos de governos, indivíduos, corporações, melhorando assim sua reputação manchada perante o mundo. Governos totalitários que violam direitos humanos, oprimem mulheres e a comunidade LGBTQIA+, censuram a imprensa, apoiam a pena de morte, entre outros, viram no esporte uma forma de camuflar esses feitos, trazendo a atenção do mundo para uma outra face que envolve investimentos multimilionários em clubes de futebol, eventos como a Copa do Mundo, Fórmula 1, Olimpíadas, etc. Essa prática já acontece desde antes do século XXI, mas o termo só foi criado em 2018 pela Anistia Internacional, organização não governamental que defende os direitos humanos. O esporte é o melhor e mais popular veículo para espalhar propagandas positivas para um governo. Hitler usou disso em 1936 nas Olimpíadas de Berlim, propagando o regime nazista; a Argentina também quando sediou a Copa do Mundo em 1978 e estava sob uma ditadura que usou do evento para obter apoio da população e amenizar a repercussão das torturas e assassinatos que cometiam. Hoje em dia vemos muitos clubes sendo adquiridos por regimes totalitários que são alvos de críticas, como o Newcastle que é comandado pela Arábia Saudita (Mohammad bin Salman), o Manchester City pelos Emirados Árabes Unidos (Sheik Mansour), o Paris-Saint Germain pelo Catar (Nasser Al-Khelaifi), entre outros. Vamos explorar um pouco dos detalhes de cada um. Newcastle O clube inglês Newcastle foi adquirido por 300 milhões de libras em 2021 pelo Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, que pertence à família real do país. A Arábia Saudita é uma monarquia absoluta, considerada um estado totalitário, onde o atual rei, Salman bin Abdulaziz Al Saud, é o chefe do estado e o chefe de governo. O Alcorão, livro sagrado do Islamismo que é religião predominante no país, é o que rege a constituição local, assim como o comportamento, direito e deveres da população. O príncipe a herdar tudo é Mohammad bin Salman, "dono" do Newcastle, que indicou Yasir Al-Rumayyan como governador do Fundo de Investimentos que fez a aquisição e presidente não executivo do clube. Considerado um dos países culturalmente mais fechados e intolerantes do mundo, o regime da Arábia Saudita é conhecido por perseguir seus opositores, criminalizar homossexuais, apoiar fortemente a pena de morte, reprimir as mulheres e perseguir seguidores de religiões que não sejam o Islamismo. Em 2016, o príncipe Mohammad bin Salman lançou um ambicioso plano chamado “Visão 2030”, onde ele almeja fazer com que a Arábia Saudita dependa menos do petróleo e diversifique mais sua economia, desenvolvendo mais os setores da saúde, educação, infraestrutura, recreação e turismo. Para isso, eles precisam mudar sua imagem de intolerantes perante o mundo, e uma ótima forma é através do futebol, algo amado internacionalmente. A compra do Newcastle é um ótimo exemplo de sportswashing, fazendo com que os torcedores vibrem com a aquisição do time, que tem como objetivo tornar o clube uma potência mundial, coisa que a gestão anterior não conseguiu nem em termos financeiros e nem desportivos. O torcedor não se importa com a origem do dinheiro, desde que tenham vitórias e títulos para seu time do coração. E é esse o principal ponto do sportswashing, fazer com que a imagem e a atenção sobre um governo totalitário seja mudada para a imagem de um país riquíssimo que tem o poder te transformar clubes de futebol em super potências.
O país maquia seu lado obscuro através do esporte, seja com a compra do PSG, seja com a Copa do Mundo 2022, seja com altos investimentos nos clubes. A ideia é que o mundo os veja como os poderosos que têm o poder de trazer para o mesmo time Neymar, Messi, Mbappé, e que fazem a Copa do Mundo mais cara da história. Olhando no site do PSG lemos - “Desde a compra do clube pela QSI em 2011, ele se transformou e se tornou um dos principais clubes de futebol e marcas esportivas globais do mundo”. Em um dos locais mais caros do mundo, a 5ª Avenida em Nova Iorque, vemos inclusive uma loja do PSG em grande estilo, mostrando seu poder perante outras marcas futebolísticas. Para atrair turismo, mostrar suas instalações e cultura para um público internacional, o Catar sedia anualmente treinos e torneios em que o PSG comparece, sendo o mais famoso a Qatar Winter Tour, torneio que acontece todos os anos em Doha – algumas possibilidades que só o esporte poderia abrir as portas.
Hoje, o City Group, como é popularmente chamado, é uma holding constituída majoritariamente pela empresa Newton Investment and Development LLC, também propriedade do Sheikh Mansour, e por 18,1% pela empresa americana Silver Lake. Comandam 12 times entre Inglaterra (Manchester City FC), EUA (New York City FC), Austrália (Melbourne City FC), Japão (Yokohama F. Marinos), Uruguai (Montevideo City Torque), entre outros. Os Emirados Árabes Unidos são constituídos por sete emirados, tendo cada território seu próprio emir (líder). Para escolher o presidente do país, esses emires escolhem um dentre os sete pra ocupar o cargo, sendo o atual Maomé bin Zayed Al Nahyan, emir de Abu Dhabi. O termo mais apropriado pra esse governo seria uma "federação de monarquias", já que os emires são de famílias reais. O país conhecido por suas cidades luxuosas e tecnológicas, como Dubai, também tem sua má fama por violação dos direitos humanos, superexploração de trabalhadores estrangeiros, pouca liberdade de expressão, etc., mas conseguem ser fortemente associados aos investimentos multimilionários no esporte a nível mundial. Outros exemplos Dentre vários outros exemplos que podemos citar, vemos também o caso do Azerbaijão, visto como um país de governo autoritário que reprime opositores, restringe a liberdade de protesto e religião, e que investiu milhões e milhões no Atlético de Madri entre 2012 e 2015. No início, começaram estampando na camisa do time o nome do país com o slogan “Land of fire” (PT: “Terra de fogo”), para atrair público para o turismo local. Após isso, fecharam um patrocínio máster na temporada 2013/2014, sendo estendido até 2015, por cerca de 12 milhões de euros por ano para continuar estampando na camisa do time propaganda do país.
É possível combater o sportwashing? Infelizmente, essa é uma prática muito difícil de combater, sendo inviável impedir que clubes sejam comprados por ditaduras, que treinadores e atletas boicotem o futebol em locais com regimes totalitários assim ao não irem jogar pra eles, etc. Dinheiro é a alma de todo negócio e algo que não falta em cada um desses exemplos anteriores. Assim como o mundo não vai parar de comprar petróleo de países do Oriente Médio, assim eles vão continuar investindo altamente nos esportes para conquistar uma fama positiva de tabela. Recentemente, por conta da invasão da Ucrânia pela Rússia, o governo do Reino Unido impôs fortes restrições ao Chelsea, que tinha como dono o russo Roman Abramovich, o qual tinha um relacionamento bem próximo com Vladimir Putin, que é o cabeça do regime ditatorial da Rússia. Abramovich teve que vender o clube, o que fez muita gente pensar que a situação de restrições poderia se aplicar a outros governos extremistas também, o que não foi o caso. A situação com Abramovich e com a FIFA excluindo a Rússia da Copa do Mundo 2022 foi diferente. O país não tem tanta influência internacionalmente e nem uma contribuição acentuada ao esporte como os países do Oriente Médio hoje têm, então é muito mais fácil desbancar um país, em termos esportivos, que está envolvido claramente em um conflito terrível e que não vai acarretar em um impacto nos eventos, do que fazer os bilionários do Catar, Arábia Saudita e Emirados venderem seus times, já que suas más ações estão de certa forma mais “encobertas”.
Em 2021, Lewis Hamilton também protestou ao usar um capacete com um arco-íris no Prêmio do Qatar de Fórmula 1, em favor da comunidade LGBTQIA+, afirmando em entrevista: "Conforme as competições esportivas vão para esses locais, elas têm o dever de colocar em foco esses problemas. Esses lugares precisam de escrutínio. Direitos iguais são uma questão séria" (Globo Esporte, 19/11/2021). O esporte tem um poder de “cegar” as pessoas diante de certas situações, a vontade de ganhar, de gritar campeão, fala muito mais alto do que se opor a regimes totalitários, opressores. Com isso, nos resta aproveitarmos cada oportunidade possível para expormos o assunto e levantarmos discussões a respeito, de forma que isso venha a ter um efeito positivo.
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Abril 2023
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