Dando continuidade na discussão sobre modelos de formação de atletas, hoje será abordado resumidamente o modelo europeu, com maior foco na Grã-Bretanha, recente destaque nos Jogos Olímpicos. Prezado(a) leitor(a), este meu texto é a continuação de outros dois publicados anteriormente. O primeiro foi sobre os novos rumos da educação física escolar e a falta de rumo do esporte no Brasil e o segundo texto, sobre o modelo de formação de atletas dos Estados Unidos. Compreender o modelo de formação de atletas da Europa é mais fácil para nós, considerando que o Brasil segue o mesmo modelo de clubes e campeonatos. Diferente dos Estados Unidos que possuem a base do esporte em entidades educacionais, como escolas e universidades, na Europa de uma forma em geral e no Brasil, o esporte possui sua grande base nos clubes esportivos e sociais. Primeiro, uma curiosidade, por que falamos em Grã Bretanha e não apenas Inglaterra?
O que chama a atenção especificamente em relação ao modelo de formação de atletas da Grã Bretanha foi o grande aumento de medalhas obtidas em diversas modalidades nas últimas cinco edições dos Jogos Olímpicos, numa evolução consistente que já dura 20 anos. O que isso resultou? Numa dos maiores avanços que um país obteve no quadro geral de medalhas, de uma fraca 36º posição em 1996, com apenas uma medalha de ouro e 15 medalhas no total, para 10º colocado em 2000 e 2004, para 4º em 2008, para 3º em 2012 e para 2º em 2016 (ver gráfico, GBR em destaque vermelho). Apenas nos Jogos do Rio 2016 foram 67 medalhas no total, sendo 27 de ouro, 23 de prata e 17 de bronze. Além da impressionante evolução, a Grã Bretanha ainda fez algo inédito na história dos Jogos Olímpicos, pois foi o primeiro país que conseguiu melhorar o desempenho após ter sido sede, nesse caso, em Londres 2012. Então, qual é o grande plano dos britânicos? Foi um conjunto de ações baseado em muito investimento, em planos de 8 anos de formação e identificação de talentos, além do foco nos esportes estratégicos com chances de sucesso. Vamos detalhar cada ação abaixo. O investimento financeiro vem da loteria nacional e segue a seguinte lógica: 60% é investido em atletas com chances de medalha nos próximos 4 anos e 40% é investido nos atletas que poderão vencer em 8 anos. Isto parece ser simples, mas já resolve dois grandes problemas que costumamos ver aqui no Brasil. O primeiro problema é a falta de investimento na base (8 anos de formação), pois temos a terrível mania de só investir em quem já é destaque adulto. O segundo problema é o imediatismo dos nossos investimentos. Ter um plano de 8 anos de investimentos é muito mais consistente do que ciclos de 4 anos e diversas interrupções que ocorrem com frequência, principalmente quando os nossos políticos tomam as decisões. O plano britânico de 8 anos prevê o “caminho do atleta” (athlete pathway) que já comentei em vários textos anteriores. Isto é, existe uma previsão bem planejada por onde haverá o início das práticas esportivas e depois cada etapa que o talento esportivo deverá passar até chegar na fase adulta de alta performance. Uma visão geral pode ser vista na imagem a seguir, porém nesse link estão os detalhes. Não basta apenas definir as etapas que cada atleta deverá percorrer, eles detalham como fazem para identificar os talentos de uma forma padronizada, com teste e diminuindo a subjetividade das opiniões avulsas de treinadores. É um sistema nacional de encontrar talentos, para depois direcioná-los de acordo com o “caminho do atleta”, aumentando a eficiência dos investimentos. Entre os testes, além dos tradicionais testes físicos e motores, estão os testes psicológicos e comportamentais que auxiliam na predição do potencial de alto rendimento. O que será que resulta de tanto planejamento? Há menos desperdício de talentos, além do aumento de oportunidades esportivas, indo além dos tradicionais clubes esportivos. Por exemplo, a enorme contribuição das entidades de ensino para a formação de atletas. Na delegação britânica que participou dos Jogos de Londres 2012, dos 542 atletas, o jornal Telegraph conseguiu identificar a origem de 440. Destes, 300 (68%) foram formados em instituições públicas. Outros 52 estudaram em entidades fora do país e 88 estudaram em escolas particulares. Estes dados demonstram a importância de aliar educação e esportes, sem ficar na dependência dos clubes esportivos (EBC). Para completar o plano britânico, de forma resumida, ainda há a escolha estratégica das modalidades com maior potencial de medalhas. Como não há recursos para todos, algumas modalidades passam por redução de investimentos quando não correspondem em qualidade de formação de atletas. De acordo com Rod Carr, dirigente da UK Sport, as possíveis reduções de investimentos motivam as equipes a se esforçarem mais na melhoria de resultados. Vale destacar que diversos esportes individuais estão entre os principais investimentos britânicos, pois possuem maior potencial de medalhas. Até porque, “só gastar dinheiro não significa retorno”, como disse a Chelsea Warr, diretora do programa esportivo britânico. A dirigente reforça que o dinheiro tem que chegar até aos atletas. Para concluir, destaco que só aumentar os recursos financeiros e estruturais não resolve o problema. Deve-se ter um planejamento local, regional e nacional (caminho do atleta). Além disso, deve-se ter treinadores bem qualificados e atualizados. Soma-se a tudo isso, um plano que dê tempo de colher os frutos, sem o imediatismo a que estamos acostumados. No próximo texto voltaremos a debater sobre o esporte no Brasil e as possíveis soluções. Até lá! Quer ler mais sobre os planos de formação de atletas? Texto 1 - A educação física escolar e a falta de base do esporte no Brasil Texto 2 - O modelo dos EUA de formação de atletas Texto 3 - Modelo de formação de atletas: Grã Bretanha Texto 4 - Proposta de Plano Nacional de Formação Esportiva no Brasil Quer ver uma entrevista por vídeo sobre o mesmo assunto? A formação de atletas no Brasil e no exterior - Ciência da Bola (19/10/2020)
4 Comments
Luis Manuel Cató Ramos Camacho
14/10/2020 11:14:58
Caro Luiz
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Luiz Antonio Ramos Filho
15/10/2020 18:58:08
Olá Luis Camacho, obrigado pelo seu comentário. Continuaremos analisando e propondo soluções para o esporte no Brasil e nos demais países.
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Luiz Antonio Ramos Filho
14/8/2021 10:18:10
Prezado André, eu ainda não parei para analisar toda a premiação dos Jogos Olímpicos. A Grã-Bretanha teve apenas 2 medalhas a menos do que o recorde deles que foi no Rio 2016. A diferença é que tiveram um pouco menos de ouros, caiu de 27 para 22, o que levou a terminar na quarta posição geral em Tóquio. Foi uma queda, mas ainda continuou sendo um resultado bastante expressivo, à frente da Rússia, por exemplo. Temos que considerar também os novos esportes que passaram a integrar os Jogos e que o Japão acabou tendo várias conquistas, como no Skate e Karatê. Se você quiser ler mais sobre o desempenho da Grã Bretanha, visite: https://news.sky.com/story/tokyo-olympics-the-full-list-of-medal-winners-from-team-gb-so-far-12365281
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