O tema de hoje é sobre o trauma no esporte. Algum tempo atrás eu estive em um congresso de traumatologia esportiva palestrando justamente sobre o medo do retorno ao esporte. O atleta que está em um desenvolvimento ascendente em sua carreira e por algum motivo em um treino ou competição acaba sofrendo algum tipo de trauma, lesão, fratura, etc., e se vê em uma situação onde precisa se afastar por um determinado tempo. Por ficar imobilizado, engessado, limitado de alguma forma, se vê parado, sem treinar, começa a ficar muito tenso, triste porque acabou aquela rotina que ele tinha, e vem os pensamentos de que está ficando para trás em relação aos outros e que que não conseguirá mais voltar ao seu rendimento anterior. Quando termina o processo de cura e começa a fase de recuperação da lesão, o atleta se vê sofrendo para realizar movimentos básicos que antes era tão normais, tão simples e que ele nem mesmo parava para perceber que os estava fazendo. Nessa fase ele se vê aprisionado em movimentos técnicos, muitas vezes simples, chatos e que devem ser repetidos “infinitas” vezes para se reabilitar. Ele se sente ansioso, triste, deprimido, com raiva e tantos outros sentimentos nesse período, pois em muitos momentos ele pode pensar que já que está tão difícil fazer certos movimentos simples, imagina quando voltar ao treino normal. É nessa hora que ele se vê em desespero, o medo e a dúvida se irá realmente conseguir se recuperar rapidamente tomam conta, e caso o atleta entre nessa fase, o ideal é que seja realizado um acompanhamento com um Psicólogo capacitado. O trabalho deverá ser além do apoio emocional ao atleta nessa fase, desenvolver novas habilidades para potencializar o processo de recuperação, além disso deverá ser organizado um cronograma de cada etapa a ser cumprida, e o que pode e deve esperar em cada uma, entendendo o seu papel e responsabilidade para que seja bem sucedido. Durante o processo o atleta vai transformando o seu medo em autoestima e confiança, novamente acreditando em si, e lidando com o trauma como um aprendizado em sua história para seu crescimento profissional. Minha sugestão para o atleta que nesse momento lê essa coluna e se identifica com a situação, é que você aproveite esse momento de recuperação pra fazer tudo o que é necessário no tempo que foi estipulado pelos especialistas que te acompanham, não adianta tentar antecipar o retorno ao esporte, tem que respeitar o processo, se você respeitar, você consegue ter uma recuperação muito boa, muitas vezes consegue ter uma performance superior após esse período porque mentalmente você estará com certeza muito mais forte. Pessoal essa é a dica, qualquer dúvida ou comentário estou à disposição.
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Você já viu projetos esportivos serem interrompidos e todo o trabalho realizado com crianças e jovens ser simplesmente abandonado? Isto é bem comum aqui no Brasil, independente da sede do projeto ou de quem é o gestor. O que parece ser um problema localizado num único projeto interrompido, na realidade demonstra uma inconsistência do nosso plano de formação esportiva. É sobre isto que vamos debater nesse texto. Vale reforçar que este texto é a sequência de outros três que já foram publicados em relação ao mesmo tema. No primeiro, abordei sobre os dilemas atuais da disciplina de educação física e da pouca prática de esportes nas escolas brasileiras. Nos dois textos seguintes, expliquei brevemente como funciona o modelo de formação esportiva dos Estados Unidos e no outro, sobre o modelo da Grã-Bretanha. Agora, vamos fechar esta série de análises, falando especificamente qual rumo o esporte brasileiro deveria tomar. O modelo atual de formação esportiva no Brasil No final do século XIX e início do século XX, o Brasil recebeu uma grande quantidade de imigrantes europeus como italianos, portugueses, alemães, espanhóis e ingleses. Este período coincidiu com o início das práticas esportivas como o remo e o futebol, que resultou na criação de vários clubes de regatas, atléticos, sport clubs e football clubs. Atualmente, estes mesmos clubes esportivos são alguns dos principais formadores de atletas no Brasil, ou seja, seguimos o modelo europeu, baseado em clubes. O problema é que a maior parte dos clubes vive com poucos recursos, dependendo de contribuições de associados ou de verbas públicas. Além disso, a capacidade de absorção de crianças e jovens é relativamente pequena para uma cidade inteira, então os clubes geralmente selecionam os melhores ao invés de possibilitar a prática massiva para todos. Se a maioria das crianças não possuem local de aprendizado, como poderão ter alguma chance de serem selecionados pelos clubes? O talento esportivo depende de muita prática e de um ambiente que proporcione as condições para que ele se desenvolva. No vídeo abaixo (apenas em inglês), elaborado pela Sport Scotland, há uma explicação interessante e resumida sobre como os talentos esportivos se desenvolvem. O modelo de formação esportiva que sempre tivemos no Brasil foi um modelo elitista, em que só conseguiam espaço para praticar esportes aquelas crianças com grande potencial esportivo, selecionadas precocemente como talentos, ou aqueles em condições de pagarem para terem acesso aos clubes. A maioria dos jovens fica excluída, sem chances de desenvolvimento. Você deve estar pensando: ahh, mas a maioria dos jogadores profissionais de futebol são de origem pobre... Sim, só que o futebol é um caso à parte, devido a popularidade da modalidade no Brasil, com vários projetos sociais, escolas privadas e por geralmente ter várias equipes nos clubes esportivos. Ainda assim, há um grande desperdício de talentos no futebol. No entanto, e os demais esportes? Quantas crianças já tiveram oportunidade de praticar? Esse é o foco desse texto. Iniciativas isoladas interessantes Existem iniciativas de várias confederações e federações estaduais interessantes para promover a iniciação esportiva de crianças nas suas respectivas modalidades. Cito dois abaixo, que vale a pena conhecer:
No entanto, estas iniciativas acabam sendo isoladas, localizadas em poucas regiões, sem atingir a abrangência nacional. Quantas crianças poderiam participar de programas como estes, se tivessem acesso na sua cidade? Quando analisamos os casos de esportes que não são populares no Brasil, fica evidente que faltam praticantes por desconhecimento e pela falta de incentivos. A vivência em esportes diversificados durante a infância possibilita uma formação mais ampla das crianças, em relação aos aspectos físicos, motores e culturais. Para qual rumo a formação esportiva no Brasil deverá seguir? Basicamente integrar escolas, clubes e universidades, num modelo híbrido, aproveitando os benefícios das entidades educacionais, com o nosso modelo atual de clubes. E qual a diferença entre oferecer esporte em clubes ou nas escolas? Para responder esta questão acima, basta analisarmos outras duas questões mais específicas. Quantos clubes temos em cada cidade? Quantas escolas? Obviamente que são muito mais escolas do que clubes. Isto possibilita que o esporte seja oferecido para as crianças e jovens de uma forma muito mais ampla nas escolas do que apenas nos clubes. Isto é, são dadas oportunidades a todos os estudantes e ainda, a base de praticantes será muito maior do que a base apenas dos clubes. Além disso, as crianças, os professores de educação física e alguma estrutura esportiva já estão disponíveis na própria escola. Este é o início da receita para formar atletas: ampla base de praticantes! A iniciação de diversas modalidades deverá ser feita nas escolas, mas tem que ter as condições básicas. O ideal seria que a escola fosse em período integral, em que meio período estudam dentro de sala as disciplinas tradicionais, almoçam na escola e no outro meio período participam de variadas atividades como aulas de esportes, de música, de artes, oficinas profissionalizantes, até reforço escolar das disciplinas básicas. Como o ideal está longe de acontecer, por ser necessário um investimento muito maior, pelo menos que as práticas esportivas ocorram no contraturno escolar. Eu sei que você deve estar se questionando, mas a maioria das escolas não tem estrutura esportiva, como já mostraram essas pesquisas:
Por isso deverá haver mais investimento nas escolas e pelo menos saberemos que o dinheiro está sendo bem investido. Não custa lembrar que o Brasil sempre está entre os piores países do mundo no ranking em relação a educação básica. Assim, começaremos a atacar diretamente o problema da baixa qualidade da educação, ao invés de buscarmos soluções que só rodeiam o problema e não resolvem nada. Quais modalidades são possíveis de praticar dentro das escolas, que em geral possuem apenas uma quadra esportiva? Na quadra (8): futsal, vôlei, handebol, basquetebol, tênis, hóquei, badminton, tag-rúgbi; Sala com tatame (4): judô, luta olímpica, taekwondo e karatê; Sala simples (3): tênis de mesa, ginástica rítmica e esgrima. 15 modalidades olímpicas no total. Além disso, cidades litorâneas poderão incluir as práticas náuticas (remo, vela e canoagem), vôlei de praia, futebol de areia e surfe. Será que não seria interessante oferecer essa gama de esportes nas nossas escolas públicas atuais? Será que não haveria um melhor desenvolvimento das crianças e adolescentes, em relação à disciplina, autoconfiança, concentração, cognição, além dos benefícios óbvios de desenvolvimento físico e motor? Nos vídeos abaixo, produzidos pelo Comitê Olímpico do Brasil para os Jogos Olímpicos Rio 2016, uma demonstração como é possível ensinar várias destas modalidades nas escolas:
O plano nacional deverá ter ações em conjunto Ações isoladas não costumam oferecer resultados consistentes. Projetos encerrados após um ou dois anos são exemplos de fracasso, de investimentos perdidos, pois os participantes perdem a continuidade da formação esportiva e ficam sem rumo na carreira. Muitas vezes, os projetos são interrompidos por deficiências de gestão, falta de prestação de contas, além do corte de verbas públicas. O esporte brasileiro não pode depender desse modelo de projetos isolados. Necessita de um plano nacional, que estabeleça o “caminho do atleta” (athlete pathway), com o início das práticas esportivas nas escolas, que na sequência os talentos sejam selecionados e bem aproveitados pelos clubes e no fim, que os jovens adultos consigam ainda conciliar a prática esportiva com a formação acadêmica nas universidades. Assim, terão a possibilidade até de participar dos Jogos Olímpicos, como costuma ocorrer nos EUA. Todo esse processo deverá ter uma coordenação central do governo federal e do COB, que supervisionará o trabalho das confederações, que irão supervisionar os trabalhos feitos pelas federações estaduais, que irão supervisionar os trabalhos dos clubes e universidades, que irão supervisionar as atividades das escolas. Assim, todos os envolvidos, cada um com sua missão, numa cadeia de responsabilidades, deverá ter um fluxo melhor de formação esportiva (Figura 1). Esta cadeia de responsabilidades também oferecerá maior respaldo de gestão, jurídico, contábil, técnico-científico e metodológico, considerando o mesmo formato de atuação de todos os envolvidos. Também deverá haver metas e planos a serem cumpridos, como número de locais e número de participantes, garantindo a eficiência de todo o programa. Como resultado, haverá melhor gestão dos recursos, até mesmo facilitando a entrada de investimentos privados, devido a abrangência do plano nacional. Outro benefício imediato será uma ampla base de praticantes, sendo monitorados pela mesma equipe técnica, com avaliações físicas, psicológicas, técnicas e táticas padronizadas, facilitando a seleção e promoção dos talentos esportivos. Parece complexo? Realmente é, mas bem amarrado, basta fazer cumprir. Da mesma forma que lojas atuam em rede em todo o Brasil e no exterior, um plano nacional com metas e supervisão direta não é impossível de ser feito. Para se ter uma ideia, atualmente é somente a Secretaria de Esportes do Governo Federal, em Brasília, que supervisiona e fiscaliza todos os projetos que foram aprovados lá. É uma supervisão muito mais distante e complicada de ser realizada, baseada praticamente apenas em documentos. Na forma como proponho, os clubes e federações que não cumprirem com suas responsabilidades, incluindo a transparência na gestão dos recursos, poderão ser excluídos do programa. Qualificação dos recursos humanos será primordial Como trabalhar tantas modalidades diferentes nas escolas? Deverá ter capacitações dos professores de educação física das próprias escolas, que poderão receber um bônus salarial por se envolverem no programa. As federações e universidades serão as responsáveis pelas capacitações. O envolvimento das universidades particulares no programa esportivo poderá trazer benefícios como a redução de impostos. Além disso, a participação em eventos esportivos pode resultar na veiculação gratuita do nome da universidade na mídia. As faculdades também abrirão espaços de estágios, como educação física, fisioterapia, medicina, psicologia, administração, marketing, jornalismo, direito, contabilidade, entre outros. Para os atletas, ter o envolvimento das universidades com programas de bolsas, será a garantia de poder cursar uma faculdade e ainda permanecer praticando a modalidade esportiva. Esta é a melhor solução para quase todas as modalidades esportivas, em que os atletas não recebem dos clubes e não conseguem pagar as faculdades. A maior parte dos jovens praticantes nas escolas e universidades não se tornará esportista profissional, isso é fato. No entanto, o esporte pode possibilitar ascensão social para aqueles mais dedicados. Se não for numa modalidade, poderá ser em outra. Eventualmente aparecerão bolsas estudantis no Brasil e até no exterior. Para quem é de baixa renda e estuda em escolas públicas de baixa qualidade, o esporte é uma das grandes esperanças de melhoria de vida. Quem tem o poder de mudar essa situação? Os políticos, mas de forma geral não terão o conhecimento para desenvolver. Então, precisa iniciar o movimento com profissionais e pesquisadores da área esportiva incluindo clubes e federações. Para então chegar num plano pronto. Enquanto ficarmos vendo a educação física escolar fraca e ninguém faz nada, ficará assim. Se nas escolas não produzimos atletas e estamos vendo que só os clubes não possuem condições, ficaremos quanto tempo nessa situação indefinida? Até hoje não existe plano nacional de formação esportiva, existe muito individualismo dos clubes e das federações, que não evolui. Johan Cruyff, ex-jogador e treinador holandês de futebol se referiu assim sobre os esportistas: Na minha opinião, os atletas têm grandes qualidades. Eles são pessoas comprometidas, focadas, que buscam a superação. Com essas características e uma formação acadêmica adequada, eles podem se tornar líderes de sucesso. Quem melhor para servir aos interesses do esporte que alguém que tenha o coração de um atleta? A proposta acima é um plano perfeito? Provavelmente não, mas é o que seria possível fazer apenas melhorando a gestão, a organização dos recursos humanos e a infraestrutura que já estão disponíveis nas redes públicas. Seria um novo direcionamento para o modelo de formação de atletas do Brasil, aumentando muito o número de praticantes na base, relativamente com pouco investimento. Discorda da minha proposta? Talvez suas sugestões farão algo ainda melhor. Que tal compartilhar conosco? Quer ler mais sobre os planos de formação de atletas? Texto 1 - A educação física escolar e a falta de base do esporte no Brasil Texto 2 - O modelo dos EUA de formação de atletas Texto 3 - Modelo de formação de atletas: Grã Bretanha Texto 4 - Proposta de Plano Nacional de Formação Esportiva no Brasil Quer ver uma entrevista por vídeo sobre o mesmo assunto? A formação de atletas no Brasil e no exterior - Ciência da Bola (19/10/2020)
Dando continuidade na discussão sobre modelos de formação de atletas, hoje será abordado resumidamente o modelo europeu, com maior foco na Grã-Bretanha, recente destaque nos Jogos Olímpicos. Prezado(a) leitor(a), este meu texto é a continuação de outros dois publicados anteriormente. O primeiro foi sobre os novos rumos da educação física escolar e a falta de rumo do esporte no Brasil e o segundo texto, sobre o modelo de formação de atletas dos Estados Unidos. Compreender o modelo de formação de atletas da Europa é mais fácil para nós, considerando que o Brasil segue o mesmo modelo de clubes e campeonatos. Diferente dos Estados Unidos que possuem a base do esporte em entidades educacionais, como escolas e universidades, na Europa de uma forma em geral e no Brasil, o esporte possui sua grande base nos clubes esportivos e sociais. Primeiro, uma curiosidade, por que falamos em Grã Bretanha e não apenas Inglaterra?
O que chama a atenção especificamente em relação ao modelo de formação de atletas da Grã Bretanha foi o grande aumento de medalhas obtidas em diversas modalidades nas últimas cinco edições dos Jogos Olímpicos, numa evolução consistente que já dura 20 anos. O que isso resultou? Numa dos maiores avanços que um país obteve no quadro geral de medalhas, de uma fraca 36º posição em 1996, com apenas uma medalha de ouro e 15 medalhas no total, para 10º colocado em 2000 e 2004, para 4º em 2008, para 3º em 2012 e para 2º em 2016 (ver gráfico, GBR em destaque vermelho). Apenas nos Jogos do Rio 2016 foram 67 medalhas no total, sendo 27 de ouro, 23 de prata e 17 de bronze. Além da impressionante evolução, a Grã Bretanha ainda fez algo inédito na história dos Jogos Olímpicos, pois foi o primeiro país que conseguiu melhorar o desempenho após ter sido sede, nesse caso, em Londres 2012. Então, qual é o grande plano dos britânicos? Foi um conjunto de ações baseado em muito investimento, em planos de 8 anos de formação e identificação de talentos, além do foco nos esportes estratégicos com chances de sucesso. Vamos detalhar cada ação abaixo. O investimento financeiro vem da loteria nacional e segue a seguinte lógica: 60% é investido em atletas com chances de medalha nos próximos 4 anos e 40% é investido nos atletas que poderão vencer em 8 anos. Isto parece ser simples, mas já resolve dois grandes problemas que costumamos ver aqui no Brasil. O primeiro problema é a falta de investimento na base (8 anos de formação), pois temos a terrível mania de só investir em quem já é destaque adulto. O segundo problema é o imediatismo dos nossos investimentos. Ter um plano de 8 anos de investimentos é muito mais consistente do que ciclos de 4 anos e diversas interrupções que ocorrem com frequência, principalmente quando os nossos políticos tomam as decisões. O plano britânico de 8 anos prevê o “caminho do atleta” (athlete pathway) que já comentei em vários textos anteriores. Isto é, existe uma previsão bem planejada por onde haverá o início das práticas esportivas e depois cada etapa que o talento esportivo deverá passar até chegar na fase adulta de alta performance. Uma visão geral pode ser vista na imagem a seguir, porém nesse link estão os detalhes. Não basta apenas definir as etapas que cada atleta deverá percorrer, eles detalham como fazem para identificar os talentos de uma forma padronizada, com teste e diminuindo a subjetividade das opiniões avulsas de treinadores. É um sistema nacional de encontrar talentos, para depois direcioná-los de acordo com o “caminho do atleta”, aumentando a eficiência dos investimentos. Entre os testes, além dos tradicionais testes físicos e motores, estão os testes psicológicos e comportamentais que auxiliam na predição do potencial de alto rendimento. O que será que resulta de tanto planejamento? Há menos desperdício de talentos, além do aumento de oportunidades esportivas, indo além dos tradicionais clubes esportivos. Por exemplo, a enorme contribuição das entidades de ensino para a formação de atletas. Na delegação britânica que participou dos Jogos de Londres 2012, dos 542 atletas, o jornal Telegraph conseguiu identificar a origem de 440. Destes, 300 (68%) foram formados em instituições públicas. Outros 52 estudaram em entidades fora do país e 88 estudaram em escolas particulares. Estes dados demonstram a importância de aliar educação e esportes, sem ficar na dependência dos clubes esportivos (EBC). Para completar o plano britânico, de forma resumida, ainda há a escolha estratégica das modalidades com maior potencial de medalhas. Como não há recursos para todos, algumas modalidades passam por redução de investimentos quando não correspondem em qualidade de formação de atletas. De acordo com Rod Carr, dirigente da UK Sport, as possíveis reduções de investimentos motivam as equipes a se esforçarem mais na melhoria de resultados. Vale destacar que diversos esportes individuais estão entre os principais investimentos britânicos, pois possuem maior potencial de medalhas. Até porque, “só gastar dinheiro não significa retorno”, como disse a Chelsea Warr, diretora do programa esportivo britânico. A dirigente reforça que o dinheiro tem que chegar até aos atletas. Para concluir, destaco que só aumentar os recursos financeiros e estruturais não resolve o problema. Deve-se ter um planejamento local, regional e nacional (caminho do atleta). Além disso, deve-se ter treinadores bem qualificados e atualizados. Soma-se a tudo isso, um plano que dê tempo de colher os frutos, sem o imediatismo a que estamos acostumados. No próximo texto voltaremos a debater sobre o esporte no Brasil e as possíveis soluções. Até lá! Quer ler mais sobre os planos de formação de atletas? Texto 1 - A educação física escolar e a falta de base do esporte no Brasil Texto 2 - O modelo dos EUA de formação de atletas Texto 3 - Modelo de formação de atletas: Grã Bretanha Texto 4 - Proposta de Plano Nacional de Formação Esportiva no Brasil Quer ver uma entrevista por vídeo sobre o mesmo assunto? A formação de atletas no Brasil e no exterior - Ciência da Bola (19/10/2020)
No meu último texto, abordei sobre os novos rumos que a educação física escolar está tomando no Brasil, com maior enfoque na diversificação de conteúdos e menos nas modalidades esportivas. Estas mudanças surgiram como uma tentativa de resgatar a educação física escolar, que na maioria das escolas se resume no famoso “rola a bola” do futsal e grande desinteresse por parte dos alunos. No entanto, o esporte brasileiro parece ter uma carência de um plano nacional, coordenado, que seja eficiente na formação de atletas em diversas modalidades e não apenas no futebol, como ocorre atualmente. Dando a sequência nessa discussão, vamos analisar os modelos de formação de atletas que algumas potências esportivas utilizam e comparar brevemente com o plano brasileiro. Para começar, vamos analisar o caso dos Estados Unidos, a maior potência olímpica da história. A base dos esportes lá ocorre nas entidades educacionais, como escolas, colégios e faculdades, diferente do Brasil que depende dos clubes esportivos. Após passarem por todas estas etapas, os melhores atletas se tornam profissionais por volta dos 22 a 23 anos, já com uma graduação acadêmica e um melhor nível intelectual. Existem casos de atletas que não fizeram faculdade e foram direto para o esporte profissional, mas esses casos são raros. Este trajeto na carreira, com início nas escolas, passando pelos colégios, faculdades até chegarem no esporte profissional é conhecido como o “caminho do atleta” (do inglês athlete pathway). Isto significa que a formação esportiva não será interrompida como ocorre aqui no Brasil, quando projetos são descontinuados com frequência, ou mesmo que os atletas passam de determinadas idades e simplesmente são excluídos das equipes, sem ter para onde seguir a carreira. Nesse link tem um exemplo do “caminho do atleta” na formação de jogadores de hóquei no gelo.
Como resultado desse modelo, os EUA quase sempre lidera o quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos e, no caso dos Jogos Panamericanos, acabam liderando até com atletas do segundo e terceiro escalão. Para ilustrar tudo isso, vamos analisar a composição da delegação dos EUA nos Jogos do Rio 2016 (Globo Esporte, 2016):
Fazendo um paralelo a nossa situação no Brasil, isto resolveria o problema da maioria das modalidades que não possuem apoio e recursos até mesmo para os profissionais, como os esportes individuais, futebol feminino, handebol, entre outros. Se todos os nossos atletas pudessem continuar fazendo seus esportes até a idade universitária, já seria um grande incentivo para mantê-los na prática. No entanto, há um aspecto negativo no modelo norte-americano. No futebol masculino, em que a concorrência internacional está muito acirrada e difundida em todo o mundo, só formar atletas nas escolas e faculdades tem se mostrado um nível inferior aos clubes sul-americanos e europeus. Por isso a seleção masculina dos EUA ainda não está entre as potências internacionais. No meu próximo texto, vou abordar o modelo europeu, com maior destaque para a Grã Bretanha que passou a ser referência internacional no modelo de formação de atletas nos últimos anos. Até lá! Quer ler mais sobre os planos de formação de atletas? Texto 1 - A educação física escolar e a falta de base do esporte no Brasil Texto 2 - O modelo dos EUA de formação de atletas Texto 3 - Modelo de formação de atletas: Grã Bretanha Texto 4 - Proposta de Plano Nacional de Formação Esportiva no Brasil Quer ver uma entrevista por vídeo sobre o mesmo assunto? A formação de atletas no Brasil e no exterior - Ciência da Bola (19/10/2020)
A educação física escolar atual no Brasil tem como orientação geral a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Este documento é um conjunto de orientações que foi criado para nortear os currículos das escolas, redes públicas e privadas de ensino, de todo o país. Foi publicado em 2017 pelo Ministério da Educação, após receber milhares de contribuições de professores, gestores e especialistas em educação. O grande objetivo da elaboração do BNCC foi de oferecer uma base que define o conjunto de aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito na Educação Básica. Isto é muito interessante, se considerarmos a grande disparidade que há entre o ensino na rede pública e particular, bem como nas diferentes regiões do país. Isto é, se houver instruções claras do que cada série deverá ensinar aos alunos, deverá ter uma melhoria geral da educação no Brasil. Além disso, provavelmente é melhor ter um plano do que não ter plano nenhum. O que destaco nesse texto é especificamente a questão da educação física escolar. Seguindo as orientações atuais da BNCC, os professores de educação física devem abordar diversos assuntos nas aulas, indo muito além das tradicionais modalidades esportivas, por exemplo, abrindo espaço para jogos e brincadeiras, danças, práticas de aventura, ginásticas e lutas. A ideia é que a educação física tenha uma maior conexão com as disciplinas escolares, ou seja, com foco no ensino e não no lado técnico-prático das modalidades esportivas. Espera-se criar alunos mais informados e críticos sobre diversos conteúdos ao invés de atletas. Também espera-se atrair mais alunos participantes, principalmente os que não demonstram grandes interesses pelos esportes tradicionais. Por exemplo, caso o tema da aula seja uma dança específica, o professor deverá contextualizar a dança, com aulas teóricas passando pela origem, histórico, procedimentos de prática, como técnicas básicas e atitudes, como comportamentos adequados dos praticantes. Na sequência, a aula prática fará muito mais sentido para os alunos. Isto significa que irá oferecer muito mais conhecimentos do que apenas a prática isolada de movimentos. Nessa reportagem tem uma demonstração de como a educação física escolar está sendo ministrada com resultados interessantes. Diante do modelo proposto pela BNCC, é possível dizer que não iremos desenvolver atletas nas escolas. É verdade que com a educação física escolar desprestigiada nas últimas décadas, poucos atletas foram descobertos a partir delas. No entanto, será que o Brasil está seguindo um modelo interessante no desenvolvimento esportivo, em afastar o esporte das escolas? Qual seria o modelo ideal? O desenvolvimento esportivo não significa apenas boa colocação no quadro geral de medalhas nos Jogos Olímpicos, mas em utilizar o esporte como auxílio na educação e formação de cidadãos. Para populações de baixa renda, o esporte é um dos principais caminhos de ascensão social, seja com uma carreira de atleta profissional, ou mesmo como atleta universitário, com bolsas de estudo nas entidades de ensino no Brasil e até no exterior. Isto não pode ser simplesmente descartado, mas deverá ser encarado como uma política de estado. Em breve, abordarei num novo texto sobre os diferentes modelos de formação esportiva adotado por países desenvolvidos e que poderão nortear o esporte brasileiro. Quer ler mais sobre os planos de formação de atletas? Texto 1 - A educação física escolar e a falta de base do esporte no Brasil Texto 2 - O modelo dos EUA de formação de atletas Texto 3 - Modelo de formação de atletas: Grã Bretanha Texto 4 - Proposta de Plano Nacional de Formação Esportiva no Brasil Quer ver uma entrevista por vídeo sobre o mesmo assunto? A formação de atletas no Brasil e no exterior - Ciência da Bola (19/10/2020)
Frequentemente muitas pessoas confundem o que são as regras e os regulamentos. Há quem não saiba diferenciá-los. Neste texto vamos explicar as funções e diferenças de cada um. A regra é o documento que define como determinado esporte deverá ser praticado em todo o mundo. Geralmente é um documento produzido pela federação internacional que comanda a modalidade e, a partir desse documento, todos os países seguem as mesmas regras. Por exemplo, as regras do futebol são publicadas pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) e pela International Football Association Board (IFAB), normalmente no idioma inglês e as vezes também em outros idiomas, como francês e espanhol. No Brasil, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) detém os direitos de tradução, para então divulgar as regras em português. Antes de existirem as regras internacionais, era necessário que cada equipe combinasse as regras antes do jogo com seu adversário. O caso mais famoso foi dos praticantes de futebol e de rúgbi na Inglaterra, durante o século de 1800. Os que praticavam futebol não queriam colocar a mão na bola e queriam jogar com 11 jogadores. Os que jogavam rúgbi queriam usar as mãos na bola e jogarem com 15 jogadores em cada equipe. Então faziam acordos em que cada metade do jogo fosse com um tipo de regra. É possível imaginar a confusão a cada jogo. Mesmo que as regras fossem combinadas antes das partidas, quem gostaria de enfrentar adversários com regras que você não está acostumado? A regra é o que define cada modalidade esportiva. Tanto que existe o futebol, o futebol americano, o rúgbi, o futebol australiano, o futsal e mais algumas variações com a mesma origem, mas cada um com regras bastante diferentes. Já o regulamento oferece as normas específicas de cada competição. Por exemplo, prevê detalhes específicos de cada evento, como a forma de disputa, número de atletas inscritos, pontuações por vitórias, normas de inscrições e suspensões, inclusive a previsão para casos mais graves como brigas, de que forma serão julgados e as possíveis punições. Por exemplo, o Campeonato Brasileiro de Futebol tem como sistema de disputa jogos de turno e returno, todos contra todos. Isto é, as 20 equipes se enfrentam, com um jogo em casa e um fora contra cada adversário, resultando num total de 38 partidas para cada equipe. Vence aquele que somar maior número de pontos. Este campeonato necessita de aproximadamente 8 meses para ser concluído. Já na Copa do Mundo de Futebol, são 32 equipes, com duas fases. A primeira dividida em 8 grupos de 4 equipes, em que os dois melhores colocados de cada grupo se classificam para a segunda fase. A partir daí, começam os jogos eliminatórios de oitavas de final, quartas de final, semifinal e final. Assim, este torneio possui mais equipes que o Campeonato Brasileiro, porém tem duração de apenas um mês, em que os finalistas jogam no máximo 7 vezes. No regulamento específico de cada competição também costuma trazer detalhes sobre critérios de desempate (gols pró, saldo, número de vitórias), caso duas equipes terminem a competição com a mesma pontuação e até adaptações de regras para as categorias infantis (tamanho do campo, da bola, duração da partida e etc.). No caso dos eventos de vôlei e tênis, o regulamento define, por exemplo, a quantidade de sets por partida. Outra questão pertinente ao regulamento é quando existe o ranking anual para definir a tabela de jogos, como no caso do tênis com eliminatórias diretas. Se o regulamento tiver a previsão que o atleta ou equipe da cidade-sede do evento será sempre o cabeça de chave número 1 e que depois deverá seguir o ranking por desempenho, isso dará confusão. Isto é, o melhor ranqueado anual será o cabeça número 2 e irá para o mesmo lado da chave do segundo melhor ranqueado, enquanto o terceiro melhor ranqueado será beneficiado por ser “rebaixado” a quarta posição, ficando do mesmo lado da chave do representante da cidade-sede. Para evitar estes tipos de confusão, normalmente as competições esportivas realizam uma reunião com alguma antecedência ao evento, chamada de Congresso Técnico, com a participação dos organizadores e dos representantes das equipes. Assim, caso alguém tenha alguma discordância sobre o regulamento, isso será resolvido em comum acordo antes de iniciar a competição. Porque depois que começou a competição, não adianta reclamar e acredite, muitos treinadores inscrevem suas equipes em competições sem ler o regulamento. No meu texto passado, falei sobre as diferenças entre árbitro e juiz no esporte. Se você ainda não viu, confira aqui.
Basicamente, o árbitro é aquele que fiscaliza o cumprimento das regras, enquanto que o juiz é aquele que tem o poder de decidir quem foi o vencedor. Ainda não está claro? Vamos aprofundar a questão. O árbitro faz as regras serem cumpridas, para que nenhum dos esportistas tenham vantagens sobre o outro, ou seja, devem atuar em condições de igualdade, sob as mesmas regras. Só que o árbitro normalmente não possui o poder de decidir um resultado de um jogo. A própria regra e o regulamento deverão prever se é possível terminar empatado ou de que forma deverá haver um desempate. Desta forma, nos esportes em geral temos os árbitros. No futebol ou no futsal, por exemplo, se a partida empatar, terá prorrogação e depois pênaltis. Não é o árbitro que decide quem ganhou, mas a própria regra, ou seja, a somatória de gols de cada equipe, seja durante o jogo ou numa disputa de pênaltis. No tênis ou no vôlei, a partida não poderá terminar empatada, pois sempre haverá o set de desempate que definirá o vencedor. Por isso, nessas modalidades, os jogos costumam ser “melhor de 3 sets” ou “melhor de 5 sets”, com um número ímpar do máximo de sets possíveis. Isto significa que, se o jogo for melhor de três sets, aquele que vencer dois sets primeiro será o vencedor. Caso o jogo seja melhor de cinco sets, aquele que vencer três sets primeiro será o vencedor. Já o juiz realmente existe no esporte, mas não é sinônimo de árbitro, como popularmente é chamado no Brasil, até mesmo pela imprensa esportiva. Os juízes existem em modalidades esportivas em que somente cumprir a regra não é possível saber quem foi o vencedor. Por exemplo, nas artes marciais. Temos o árbitro que comanda a luta dentro do ringue, octógono ou tatame. Porém as lutas poderão ser encerradas com um limite de tempo, sem que nenhum atleta tenha finalizado o confronto e assim não ficará claro quem foi o vencedor. Para estes casos existem os juízes que ficam fora da luta com o poder de decisão do vencedor. Normalmente eles analisam critérios objetivos que ajudam nessa decisão como número de golpes, impacto dos golpes, regiões vitais do corpo atingidas, agressividade e também a atitude defensiva do atleta, que neste último caso, conta de forma negativa na pontuação. Geralmente são três juízes (número ímpar) que anunciam as decisões individuais. Vence aquele que tiver maioria dos votos dos juízes, chamada de decisão dividida ou, caso todos os juízes votem pelo mesmo atleta, é chamada de decisão unânime.
A formação de atletas é uma área que requer especial atenção, pois a prática esportiva infantil e adolescente tem impactos significativos na formação e no desenvolvimento dos indivíduos e suas personalidades. Se for bem direcionada e feita de maneira adequada, o jovem atleta terá diversos benefícios, tanto físicos, quanto psicológicos e emocionais, como o desenvolvimento de habilidades sociais, capacidade de lidar com stress e ansiedade, aumento da autoconfiança, entre muitos outros. Entretanto, se esta prática esportiva acontecer de forma inadequada, os prejuízos podem ser irreversíveis. Sendo assim, a Psicologia é imprescindível neste processo, constituindo um dos pilares da formação – e também do alto rendimento – junto com a parte física, técnica e tática. Apesar disso, ainda não recebe a devida importância e, muitas vezes, enfrenta grande resistência. Um dos motivos para isso se deve ao fato da Psicologia ser uma área relativamente recente no meio esportivo, se comparada a outras especialidades. Os primeiros trabalhos no Brasil datam da década de 50, mas somente nas últimas décadas atletas e comissões começaram a abrir os olhos para sua importância. Por ser recente, ainda há muita desinformação a respeito e, consequentemente, as visões e entendimentos sobre sua atuação acabam sofrendo distorções. Uma confusão, que muitas vezes é também motivo de resistência contra a psicologia no contexto esportivo, é associar com a psicologia clínica, a terapia propriamente dita. É importante destacar que são atuações diferentes, com enfoques distintos. No esporte, os trabalhos são direcionados aos aspectos mentais e emocionais relacionados a prática esportiva, de que forma eles impactam no rendimento e na qualidade de vida do atleta, e de que forma eles podem ser ajustados para se obter melhores resultados. É importante compreender também que, trabalhar todos esses aspectos de maneira efetiva envolve tempo e dedicação, tanto quanto a parte física. Formar equipes e atletas bem preparados em todos os aspectos requer continuidade, e trabalhos pontuais e esporádicos terão um impacto pouco significativo. Voltando a questão da formação de atletas, são diversos aspectos que devem ser trabalhados e levados em conta, além das particularidades em relação ao profissionalismo. É preciso compreender e respeitar as fases do desenvolvimento infantil e adolescente, para se obter o melhor aproveitamento sem nenhum prejuízo na formação do indivíduo. Um primeiro ponto importante é que a prática esportiva seja prazerosa para a criança ou jovem, tenha um caráter lúdico, de brincadeira, e não uma obrigação. Para tal, a criança deve, em primeiro lugar, ter liberdade para experimentar diferentes modalidades e escolher aquela com a qual se identifique. Isso reflete diretamente na motivação, que se torna mais poderosa se partir de razões internas ao atleta. Ou seja, ele deve se sentir motivado pelo próprio prazer de realizar aquela atividade, pelas conquistas pessoais que alcança através do esporte. Se a motivação estiver pautada em fatores externos, como a vitória, o título, o apoio da torcida, ela se torna insustentável caso estes fatores não estejam presentes, e o atleta pode se sentir frustrado e acabar perdendo a vontade e o interesse de continuar com aquela atividade. Nesse sentido, pais e treinadores desempenham um papel de suma importância, pois o manejo inadequado, com cobranças excessivas, pode desencadear altos níveis de ansiedade e stress, o que também afeta a motivação, uma vez que a atividade deixará de ser prazerosa. Em situações mais graves, pode até impactar na formação da personalidade e do indivíduo. Todas as pessoas envolvidas na prática esportiva da criança ou adolescente devem ter uma postura assertiva, comunicação verbal e não verbal adequada, que aumente estímulos positivos e reduza os negativos. Isso contribui para a motivação interna, potencializa a autoconfiança do jovem atleta, entre outros benefícios. Sendo assim, podemos destacar três aspectos cruciais na iniciação esportiva e formação de atletas: Outro aspecto importante a ser trabalho com atletas em formação, é alinhar expectativas e realidade. O meio esportivo é extremamente competitivo, e são poucos os atletas que atingem o alto rendimento e o estrelato. É preciso compreender e esclarecer o que cada atleta pretende, estabelecer metas e objetivos compatíveis com a realidade, e as estratégias para alcançá-los. Para atletas que estejam direcionados ao alto rendimento, é importante trabalhar essa transição para o profissional e a capacidade de lidar com todas as variáveis que uma carreira esportiva implica, como exposição a mídia, fortes pressões e cobranças, as constantes mudanças de cidades e países, que exigem uma grande capacidade de adaptação, sem que isso prejudique seu desempenho e sua qualidade de vida.
Ou seja, para que o trabalho seja o mais completo possível e atinja os melhores resultados, o trabalho deve acontecer não apenas com a criança/adolescente, mas também com os pais, treinadores, e demais pessoas envolvidas no contexto do jovem atleta. Estes são apenas alguns aspectos que podem ser trabalhados pela Psicologia do Esporte, mas o seu alcance é muito mais abrangente. Desde a integração de novos atletas, trabalhos coletivos visando coesão de grupo, treinamento e desenvolvimento de capacidades mentais e emocionais do grupo como um todo ou individualmente, por exemplo tomada de decisão, manejo do stress e ansiedade, resiliência, coletividade, entre diversas outras habilidades (são tantos aspectos que, para não nos delongarmos demais agora, discutiremos em postagens futuras). Vale ressaltar, mais uma vez, que são trabalhos que necessitam continuidade para que sejam efetivos. É preciso conhecer os atletas, o grupo, e entender seu funcionamento para realizar as intervenções adequadas conforme as demandas. Além disso, assim como as habilidades físicas, as habilidades psicológicas e emocionais podem – e devem – ser treinadas e desenvolvidas de forma constante. O trabalho da Psicologia deve fazer parte do cronograma dos clubes durante toda a temporada, assim como outras especialidades, e de maneira inter e multidisciplinar com todos os profissionais das comissões técnicas. Um trabalho bem desenvolvido com categorias de base e jovens atletas pode trazer diversos benefícios para o atleta em si e para o clube. Com atletas mais bem preparados e grupos mais coesos, o clube pode conquistar melhores resultados. Valorizar e aproveitar melhor os atletas da base nas equipes profissionais reduz a necessidade de contratações externas, o que alivia as folhas salariais, além de contar com atletas mais entrosados e que tem identificação com o clube. E, acima de tudo, damos aos jovens a oportunidade de se desenvolverem plenamente, de maneira satisfatória, criando cidadãos e sociedades mais saudáveis. É preciso ampliarmos nossas compreensões, para que possamos evoluir e dar uma atenção maior para nossos jovens atletas, futuro do nosso esporte e da nossa sociedade. Trabalhar com a Psicologia do Esporte é trabalhar com o lado humano dos atletas, equipes, e do fenômeno esportivo como um todo. Até a próxima! Vários jogadores brasileiros de futebol com destaque internacional, quando eram crianças, iniciaram a prática esportiva no futsal. Casos conhecidos como Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Robinho e Neymar, são alguns exemplos. No grupo que disputou a Copa de 2018, 12 dos 23 jogadores da Seleção Brasileira foram federados no futsal, como mostrou esta reportagem. Também é frequente ouvirmos comentaristas de futebol elogiando jogadores com “habilidade de futsal”. Por que será que o futsal é tão lembrado assim na formação de jogadores? O futsal é amplamente praticado pelas crianças no Brasil, devido as facilidades de ter quadras poliesportivas nas escolas e bairros. Isso resulta em ganhos significativos na formação de jogadores de futebol, com maior habilidade com a bola. Quanto menores são as crianças, o ideal é que o espaço de jogo seja menor. Além disso, que o número de participantes também seja menor. Um jogo de 11 jogadores contra 11 é muito mais complexo do que 5 contra 5, em relação ao tamanho do espaço de jogo, em relação as diferentes possibilidades de passes. Isto tudo resulta numa dificuldade maior de controle sobre a bola e sobre as ações do jogo, como defender, atacar e fazer gols. Quem já viu campeonatos de futebol de campo com crianças abaixo de 10 anos? Costuma ser um monte de crianças correndo atrás da bola, com muitos chutões e quase nenhum passe. Geralmente ficam concentrados num dos lados do campo, no lado da equipe mais fraca. Qualquer chute alto a bola entra no gol, pois as traves dos adultos são gigantes para as crianças. Também existem casos que a bola utilizada também é dos adultos, parecendo uma “melancia” pesada para os pequenos jogarem. Obviamente que essa não é a iniciação esportiva adequada no futebol. Crianças devem jogar em espaços adequados para crianças. No vôlei e no basquete também fazem estas adaptações, como o minivôlei com apenas 3 jogadores de cada lado, quadra menor e rede mais baixa, ou o minibasquete com uma cesta adaptada mais baixa e bola mais leve. É possível reduzir as medidas dos campos de futebol e também das traves e bolas? Sim, muitos fazem isso. É um passo importante para facilitar essa adaptação. No entanto, na maior parte dos campos de futebol e competições de crianças, não fazem estas adaptações. Por tudo isso que o futsal é a melhor forma de iniciação esportiva para crianças:
Além desses aspectos positivos óbvios da iniciação no futsal, a modalidade também costuma ser uma grande oportunidade de desenvolvimento técnico dos jogadores. Aqui, ainda podemos continuar falando sobre as crianças, mas também já incluir os adolescentes. Como o futsal é jogado em espaços reduzidos, isso naturalmente proporciona:
No futsal nem tudo é drible. Há muita movimentação sem bola e muitos passes rápidos que fazem o jogo fluir. Só que o drible está sempre ali, pronto para ser utilizado quando for necessário ou quando houver uma boa condição para isto. Seja por jogadores de ataque ou de defesa, afinal, a constante movimentação dos jogadores faz com que os defensores ataquem e os atacantes defendam muito mais do que ocorre no futebol. Podem reparar, quando um jogador de futebol de campo joga no futsal, ele parece ficar desajeitado em quadra. O espaço para driblar e chutar a gol geralmente é pequeno e ele não consegue fazer com a mesma precisão que costuma fazer no campo. E o contrário, jogadores de futsal se adaptam bem ao futebol de campo? Geralmente sim, costumam demonstrar maior habilidade com a bola e facilidade com a marcação um pouco mais distante. No entanto, também sentem dificuldade em relação ao que falta no futsal, como chutes longos, passes longos e lançamentos. O domínio de bola também complica um pouco, devido as irregularidades do campo, acaba desacelerando os movimentos do jogador de futsal. Por tudo isso que é extremamente importante saber a hora certa de fazer a transição dos jogadores de futsal para o campo, quando este for o objetivo final. Se transferir muito jovem, os benefícios do futsal não surtirão efeito, como o maior desenvolvimento da habilidade e o jogo rápido. Por outro lado, se atrasar a transferência, o jogador poderá perder muito tempo para se adaptar ao futebol e perder espaço na concorrência por vagas nas categorias de base dos clubes, atrapalhando o desenvolvimento final. Se considerarmos que geralmente as crianças iniciam a prática regular do futsal por volta dos 8 anos de idade, transferir a partir dos 11, possibilitará que ele tenha praticado aproximadamente 3 ou 4 anos de futsal, consolidando melhor o aprendizado da modalidade. Já a idade ideal para fazer esta transferência será entre 12 a 13 anos. O limite máximo será até os 14 anos. Esta é a idade (categoria infantil sub15) que a maioria dos clubes de futebol inicia a seleção de atletas para a formação das equipes de competição. Tentar entrar nos clubes após esta idade, tornará tudo mais difícil, como maior tempo de adaptação e maior concorrência para ser selecionado. Fazer a transferência dos 15 anos em diante provavelmente já terá deixado a oportunidade passar. Existem alguns casos de sucesso, mas são exceções. Nesse período, entre os 11 a 14 anos, o jogador poderá continuar atuando nas duas modalidades de forma simultânea, sem que ocorram treinamentos em excesso. Também é possível a inserção numa modalidade intermediária, conhecida em alguns lugares como futebol suíço, noutros como futebol society. Esta modalidade geralmente é disputada com 7 ou 8 jogadores, em campo de grama natural ou sintética, num campo maior que uma quadra, mas menor que o campo de futebol. Oferece um pouco dos benefícios do futsal e um pouco dos benefícios do futebol. No entanto, como não é uma modalidade tradicional, com competições, raramente os clubes oferecem treinamento no futebol suíço, ficando muito mais para um esporte de lazer aos finais de semana. Também é interessante possibilitar que os jovens jogadores tenham experiências no futevôlei e no futebol de areia. São modalidades que utilizam as mesmas técnicas de jogo do futebol, porém em situações completamente diferentes, com o piso totalmente irregular. Estas são modalidades que irão contribuir muito no domínio e controle de bola dos jogadores. Grandes nomes do futebol brasileiro também eram jogadores exemplares destas modalidades, como Zico, Júnior, Romário, Djalminha, Edmundo, Renato Gaúcho, entre tantos outros. Resumindo as ideias acima, as modalidades futebol e futsal são parecidas, porém possuem diferenças significativas para o alto rendimento. O futsal pode contribuir muito mais na formação de jogadores de futebol do que o contrário. Naturalmente isso já ocorre no Brasil. Basta saber quando realizar a transferência do jogador de futsal para o futebol, sem perder o tempo certo. Quando possível, será benéfico também inserir o futebol suíço, o futevôlei e o futebol de areia.
O Mundial de Futebol masculino acabou, discussões de todos os tipos passaram pelo e após o evento, mas tem um assunto que, especialmente no futebol (vou tentar justificar em instantes...), sempre vem à tona... A questão estratégica...
Sempre gosto de falar sobre esse assunto, mas a motivação para esse texto em específico surgiu após a leitura de um texto divulgado após a primeira rodada da Copa do Mundo: “Como basquete e handebol explicam a abundância de bola parada e o sofrimento dos grandes na Copa”. No texto, o autor sugere que as tendências estratégicas defensivas do handebol e ofensivas no basquetebol podem ser utilizadas para entendermos as opções estratégicas das equipes na primeira rodada do Mundial de futebol. O que mais me chama a atenção, no entanto, é um certo grau de surpresa na evidência de que a estratégia faz diferença... Pois bem, por que considero importante falar sobre estratégia? “Nem sempre é preciso ter os melhores jogadores para vencer, e sim a melhor estratégia”, disse Jurgen Klopp, como citado no texto acima. Muito simples. Num jogo de futebol, como em qualquer outra modalidade e coletiva, tendo em visita seu contexto aberto, complexo e imprevisível, a questão estratégica é fundamental. Isso, fundamento. É a base que sustenta um bom desempenho. Em um jogo entre duas equipes que ignoram esse fato, outras coisas são cruciais. Mas num jogo em que uma equipe quer vencer, é preciso planejar como isso vai acontecer. Tecer como jogadores e equipe vão construir seu caminho e lidar com as (muitas) adversidades que vão surgir. Estratégia pode ser entendida como um processo de caráter prospectivo que define os contornos da atuação tática do jogador. É um sistema de planos de ação de curto, médio ou longo prazo que visa atingir determinados objetivos (fazer um gol nos primeiros 20 min de jogo; permanecer entre as 4 primeiras equipes do campeonato; ser a equipe com mais jogadores a participar de uma Copa do Mundo, para exemplificar em diferentes escalas). Por que acho que isso salta aos olhos especialmente no futebol? Querendo ou não é a modalidade mais vista, mais comentada e mais cheia de entendedores (e corneteiros) do assunto. Muitos dos entendedores estão com o poder da fala e da escrita nas mãos, na mídia, e influenciam a forma como milhares de pessoas enxergam e entendem o futebol. Muitas vezes a questão estratégica é negligenciada ou subvalorizada. A discussão muitas vezes fica na superficialidade técnica. Quantas vezes ouvimos a saudosa lembrança do futebol brasileiro de outrora, de grande maestria técnica, como a solução para as mazelas de desempenho do futebol atual? Enquanto lamentamos, veja um exemplo do que está rolando por aí: https://rondos.futbol/2018/06/fluidez-posicional-y-el-futbol-del-futuro-una-primera-reflexion/ E por que acho esse assunto preocupante? Minha preocupação sempre recai sobre a formação. Como jogadores e jogadoras podem pensar, atuar, compreender a lógica do jogo, de forma estratégica? Como devem ser planejados os treinos – em curto, médio e longo prazo – para que cada vez mais os atletas saibam compreender o jogo e criar a partir das escolhas estratégicas de sua equipe? Por que muitos jogadores estranham um treino que do começo ao fim é conectado de intenções estratégico-táticas, onde correr ao redor do campo para aquecer não faz o menor sentido? Por que o Neymar não entende de "tática"? A formação de jogadores e jogadoras inteligentes passa por um processo que explore a criatividade, as tomadas de decisão, a variabilidade motora, a resolução de problemas. A linguagem no treino deve ser a linguagem estratégico-tática. Ao longo da formação esportiva, professores e professoras devem conhecer a "matéria", para ter condições de criar um ambiente no qual as crianças e adolescentes construirão sua compreensão do jogo. Quando atletas profissionais, seu treinador e treinadora devem ser conhecedores da modalidade na sua mais profunda especificidade, nos detalhes, nas nuances. Devem estudar constantemente e estar atentos às mudanças geradas pela evolução do jogo e pelas imposições adversárias. Se vocês notaram, usei o termo tático junto ao termo estratégia, tendo em vista a sua íntima relação e interdependência. Para finalizar, deixo aqui uma proposta: Pense nos treinadores e treinadoras da(s) modalidade(s) esportiva(s) que acompanha. É possível perceber que eles estudam, que eles entendem profundamente o jogo? Taí a deixa para um próximo texto. Até lá! Agradeço ao meu amigo Diogo Castro, grande estrategista, por compartilhar dois dos artigos que compõem este texto. Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/rush-futebol-grass-jogar-1335365/ |
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Dezembro 2023
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